Chovia forte, reconheci familiaridade na silhueta. Dei farol alto, olhei no espelho, ninguém vinha atrás, parei. Na minha frente, molhado como um pinto estava Antônio Alberto, amigo de muitos carnavais. Estacionado no meio da ponte, em estado de aparente catatonia. Tinha os olhos fixos nas águas revoltas, excitadas pelo reforço dos céus. Nos braços alguma coisa volumosa ocupava espaço. Vesti um abrigo e saí do carro. Quando cheguei perto percebi que o volume era uma pedra, grande, pesada. Estava amarrada numa corda que envolvia o pescoço. Era óbvia a intenção. Suicídio! Horas depois, sentados num bar, alguns conhaques acima do plano terrestre, emergiu a origem do desgosto. - A Marcinha, você se lembra da Marcinha? - Claro que eu me lembro da Marcinha, homem nenhum esqueceria. Antônio Alberto baixou os olhos e calou. Esperei. Depois de alguns instantes tomou um gole e pigarreando falou: - Saiba você que ela disse que me amava, que eu era o homem da vida dela e que queria ficar comigo. Na hora do vamos ver, neguei fogo. Aquele monumento ali na minha frente, disponível e sedenta de amor e eu sem ação. Morto. É isso que eu sou, um morto, faltando apenas consumar o fato. Só o suicídio poderá redimir meu fracasso. Antônio Alberto tinha uma queda por boleros. Grande apreciador de Roberto Manzanero. Sem saber o que dizer sugeri uma nova tentativa. Por via das dúvidas, para prevenir chacota dos deuses, mencionei Viagra. Foi a senha desencadeadora da hecatombe final. Ao ouvir o nome da droga ele lançou-se contra a parede dando com a cabeça contra ela, o que produziu um enorme galo. O garçom trouxe gelo para conter a expansão do hematoma. Antônio Alberto chorava. Entre soluços disse que tinha tomado Viagra, para ser mais exato, dois comprimidos. Dessa vez eu é que calei. Pensando bem, o suicídio era de fato uma opção. Passaram-se dois meses, desde então não mais encontrei meu amigo, até que na tarde de ontem demos de cara na caixa do supermercado. Ele estava bronzeado, disposto, sorridente. Ao me ver ficou radiante. Contou que está morando com a Marcinha e que a vida deles é uma eterna lua de mel. Só felicidade. Desconfiado, esperei que ele me dissesse como se operou o milagre. Se nem dois Viagras resolveram da primeira vez, o que teria mudado o vento? Ele leu a curiosidade no meu rosto e sem dizer nada tirou do bolso um recorte de jornal. Li apenas a manchete, deduzi o resto. Estava escrito: EUA condenam "rei do Viagra falso". Coisas da vida. Pode acontecer com qualquer um.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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