Há muitos anos a imprensa brasileira caiu de quatro ao ser apanhada com a boca na botija. Uma matéria publicada na Inglaterra foi traduzida e publicada na revista de maior prestígio do Brasil. Recebeu aqui o pomposo título de "Boimate". Referia-se a um experimento onde células bovinas e vegetais teriam sido combinadas para formar uma nova espécie de tomate. Após ser fatiado e colocado na chapa produziria um hambúrguer da melhor qualidade, dispensando o ketchup artificial, seria um hambúrguer com "ketchup onboard". Com fatias de queijo e alface estaria pronto o xis salada. A matéria foi publicada em Veja e faz parte do folclore da imprensa brasileira. Foi uma brincadeira de primeiro de abril, coisa de ingleses, aqui ninguém se deu conta do fato, até que as risadas sardônicas ecoassem nos corredores dos domínios dos Civita. Outra história folclórica aconteceu com um jornalista de prestígio, que por ser correto assíduo e honesto, além de competente, recebeu do jornal "O Globo" o cargo de correspondente em Roma. Um dos melhores empregos do mundo. Famoso pela forma rígida de comportamento, quase calvinista, cuidava sempre da obrigação antes de qualquer outra possibilidade. Acabou vítima do amor, seduzido pelos encantos de uma jovem, qual um Adão moderno envolvido por serpente melíflua. Roma no começo da primavera desperta o romantismo até das rochas que jazem no fundo do Tevere. Nosso herói, apaixonado, procurou um local afastado para as juras de amor. Por sugestão da amada, viajaram para uma ilha sem comunicação com o mundo. Uma choupana, uma cama, vinho e as delicias do fruto proibido. No fundo ele estava fazendo uma coisa que ia contra seus princípios. Por precaução deixou algumas matérias para serem enviadas diariamente, falavam de temas relacionados aos acontecimentos artísticos há muito agendados e também das belezas de Roma na estação das flores. A viagem começou numa terça-feira de manhã, eles só chegaram ao refúgio insular por volta da meia-noite. Jantaram peixe assado na brasa com molho de ervas e beberam vinho branco gelado. Depois caminharam na praia olhando a Lua esparramar seus raios luminosos sobre as águas preguiçosas que balançavam em ritmo suave. Na manhã seguinte após o café, um passeio na praia e depois o mergulho nas águas cálidas. De volta às areias, a delícia do sol mediterrâneo acariciando os corpos cansados de homenagear Éros. Da pousada vinham as ondas olfativas trazendo o cheiro de carneiro assado. Anunciavam o banquete do entardecer. Depois, vinho branco, cachos de uva e mais amor, muito amor. Enquanto isso, em Roma, no meio da agitação, um maluco chamado Mehemet Ali Agca deu um tiro à queima-roupa no Papa. Na sede do jornal, no Rio, a certeza de que a cobertura seria a melhor da imprensa brasileira. O correspondente não deixaria escapar nenhum detalhe, era incansável. Tentaram encontrá-lo através do telefone, obviamente não foi possível, ele estava colhendo informações diretamente da boca do cavalo. A redação montou um plantão em volta do teletipo. Na hora combinada chegou a primeira matéria, enviada por uma amiga romana, como fora combinado. Falava dos pintores da Praça Navona. Causou perplexidade, nenhuma linha sobre o Papa, sobre o atirador, sobre a arma, nadinha do fato jornalístico, a matéria era tão fria que quase congelou o mecanismo do teletipo. A redação ficou esperançosa, a próxima seria definitiva, conteria tudo, seria a síntese da síntese, depois dela nada poderia ser escrito sobre o fato sem cair no ridículo. Quando a esperada matéria chegou, falava com muita propriedade da cobertura do Coliseu, obra arrojadíssima, da época do apogeu romano. Uma estrutura leve e funcional, digna da engenharia de nossos dias. Junto vinham comentários dos mais renomados arquitetos e engenheiros estruturais de Roma. Sobre o Papa, nenhuma informação. O jornal sem saber do paradeiro do escriba travestido de fauno enviou outro jornalista para Roma e usou as notícias enviadas pelas agências internacionais. No terceiro dia de amor e vinho e mais amor, nosso herói percebeu uma certa agitação na praia. Ao aproximar-se viu alguns pescadores em volta de um rádio de pilhas. A intuição fez com que seu coração disparasse, alguma coisa tinha acontecido, era importante e ele não estava a par. Depois de muita luta para entender o que diziam os pescadores, finalmente, através de mímica ele entendeu que seu futuro no jornalismo estava irremediavelmente comprometido. Ao mesmo tempo ele sabia ter entrado para a imortalidade, sempre haverá alguém em alguma redação lembrando o fato aos recém-chegados. O fato aconteceu em 1981, daqueles dias até hoje os avanços nas comunicações foram tais que impedem que algo semelhante seja repetido. Mas que foi um azar danado foi. Resta a esperança que a perda do emprego tenha sido compensada pelos encantos da jovem sedutora.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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