Conversa (des)afinada
O termo “pedaladas” ganhou popularidade, a ponto de muita gente, incluindo nosso dinâmico ex-presidente, de acordo com o próprio, não ter uma ideia clara do que se trata. Não se está falando de uma modalidade esportiva, senhores. Pode ter ficado a impressão de que se trata de algo inocente, um meio de manter a forma física. Será? Recapitulando: essa “brincadeira” – para empregar o termo do Joaquim Levy – ocorre quando o Governo, para não estourar suas sacrossantas e combalidas contas, atrasa o repasse aos bancos oficiais de um dinheiro que tem destino certo, por exemplo, o pagamento da Bolsa Família. O dinheiro chega aos destinatários, mas provem dos bancos oficiais, que adiantam verbas as quais “um dia” lhes será reembolsado. Portanto, afirmar que as pedaladas tiveram uma finalidade nobre, preservar o emprego e outras mentiras, pode fazer sucesso entre os desavisados e chamar de idiotas àqueles que ainda têm paciência de ouvir as petas planaltinas. Imaginem o caos que se seguiria a um possível atraso desses pagamentos. Docilmente, os bancos oficiais evitam a balbúrdia, adiantando os recursos. Tudo se passa como se, em desacordo com a LRF, o governo esteja tomando emprestado dessas instituições financeiras. Se fosse apenas a Bolsa Família... Ocorre que o buraco, de acordo com a expressão consagrada, situa-se mais embaixo. O volume pedalado é da ordem de 40 bi. Então, doce leitor(a), foi uma “pendurada de contas”. Tanto é que zerar esse ‘detalhe’ poderá levar algum tempo. Quanto tempo? Depende da vontade de estourar nosso superávit primário em 2015. Outra inverdade que está ganhando corpo de tanto ser repetida é que a atual crise é fruto dos ajustes, que, a bem da verdade, até hoje não aconteceram. Não aconteceram porque a maior parte está emperrada no Congresso, objeto de negociações. A culpa, segundo os detratores do ministro, não é da farra, o tal de “fazer o diabo” anos a fio e sim, do insensível ministro Levy, o Judas de plantão, que não consegue aprovar as medidas já apresentadas como únicas culpadas “disso que está aí”. Renasce o bordão “Tudo pelo crescimento”, como se esse tão sonhado crescimento fosse fruto apenas da “vontade política” em rota de colisão com perversas fantasias neoliberais. Como se o desejo de crescer fosse apanágio do Governo. Crescer requer condições macroeconômicas saudáveis. Ou então a exemplo do barão de Münchausen o time do crescimento pretende fazer voar um cavalo puxando-lhe a crina para cima?
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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