Alba caminhava na calçada molhada levando na mão o pão quando o bonde Fernando Costa guinchou e saltou dos trilhos numa curva da rua Bresser, entrando rompante casario adentro, derrubando paredes e levantando poeira. Alba estupefata atônita estatelada ficou. Parada assustada olhou e chorou. Pouco viu, a poeira dos destroços embaçou a atmosfera e irritou olhos e pulmões. O cheiro de eletricidade impregnou o ar, dando a sensação de que alguém fora eletrocutado. Do meio dos destroços saiu um zumbi, coberto de poeira branca, com os olhos arregalados de espanto e desamparado. Alba o amparou, puxou para um canto e tirou o pó do paletó. Depois cobriu com o lenço que levava no pescoço o ferimento da testa, de onde escorria um filete de sangue vermelho. Misturado com o branco da poeira e o azul marinho do uniforme sugeria a bandeira francesa, fazendo com que o desconhecido parecesse um legionário. Era o motorneiro. Como o zumbi continuasse de olhos arregalados, fitando o infinito, Alba levou-o para casa onde comeram pão com manteiga e tomaram café com leite. Algumas horas depois, recuperada a razão, ele saiu para ver o que tinha acontecido. Nunca mais voltou. Alba continua esperando. Desde as quinze horas e trinta e dois minutos do dia dezoito de maio de mil novecentos e cinqüenta e sete.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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