Conversa (des)afinada
Dando prosseguimento ao relato de minhas experiências com essa empresa maravilhosa, tenho que, por uma questão de apego à verdade, reafirmar minha crença de ser o único ser afetado por tumbice galopante a poder declarar-me totalmente insatisfeito com o serviço que recebo. Isso tem tudo a ver, insisto, com meu proclamado azar. Encontrei um paralelo na famosa ópera de Puccini, La Bohême e sua célebre ária, Che gélida manina (que mão gelada). No meu caso, seria o caso de transformá-la em: Mas que pé-frio. Encarnaria Rodolfo e sem o brilho de um Pavarotti poderia declamá-la – cantar seria demais e ninguém merece – a uma atenta Lucia, aliás Mimi. Che cosa faccio? Scrivo. E come vivo? Vivo. De fato, atualmente, dedico-me a profanar a arte de escrever. Uma simples questão de pontuação traduziria à perfeição minha situação: E come vivo, Vivo? Suponho que todos os meus doze leitores dispensarão a tradução. Pois é, Vivo, como consigo viver assim? O mais recente episódio – seguramente não cometerei a imprudência de classificá-lo como o último – pode ser resumido assim. Antes de uma breve viagem, a internet pifou. (Exclamações horrorizadas da plateia, diante do inusitado: Ooooooooooooooh!) Seguiu-se a rotina já descrita, atendente recitando aquele script digno de um invertebrado, liga modem, desliga etc., a informação de que havia problemas na área, sem previsão de normalização, e... no dia seguinte serviço normalizado, a tempo de eu enviar uma declaração retificadora ao meu amigo Leão, corrigindo uma burrada cometida o ano precedente. Deixei a nova declaração pronta, mas seguindo uma rotina de muitos anos, deixei ‘dormir’ a declaração deste ano. Fui viajar por uma bela semana, decidido a enviar o informe assim que voltasse. Não é preciso dizer que ao voltar, não havia mais serviço. Em que momento aconteceu a interrupção? Ora, não sou adivinho. A triste realidade é que estava colhendo mais uma evidência da minha já recorrentemente proclamada desdita. Segui novamente o roteiro familiar, naquela quinta-feira da semana passada. Manobra 1, manobra 2, ncpa.cpl, rasphone etc. e a conclusão: “Será agendada uma visita de um técnico, pode ser no sábado à tarde?”. Não era, já, não era no dia seguinte... “Pelamordedeus, não pode ser amanhã, sexta?” Diante da resposta esperada (devo abandonar esse triste hábito de imaginar que a grande empresa se sensibilizaria diante de um drama, que afinal de contas, aflige apenas um único assinante... talvez não seja o único, pois onde estava o glorioso exército de técnicos?), combinamos que seria na segunda, na parte da manhã. Chegou o dia aguardado com impaciência. Internet fora do ar, as horas passando e... nada. Vamos ao 10315. Anote o protocolo, em que posso ajudar, como devo chamá-lo etc. “Onde está o técnico?” – concentrei nessas singelas palavras toda a minha expectativa frustrada? “Que técnico?” foi a resposta glacial da outra extremidade da linha. Resumindo: Não havia visita programada. “Mas foi acertado...!” “No sistema não consta.” Ninguém discute com o sistema. Assumi a dupla identidade de azarado e gagá e acertamos uma visita para a terça-feira. Não garanto ter mantido durante esse diálogo o desprendimento e os bons modos recomendados por Marcelino de Carvalho (alguém se lembra?). Desliguei, desesperançado, quando, ó estupoire!... constatei estar conectado à rede mundial. Mais rápido que um político desses declarar-se indignado com as acusações da mídia golpista, aproveitei a janela de transferência... de dados, e cumpri meu dever cívico. Enquanto saboreava as delicias da normalidade, a janela se fechou, numa clara demonstração de quão efêmera pode ser a felicidade. Por sorte, o técnico virá. Neste momento, ainda não sei se terei essa ventura, apesar de, escaldado pelo episódio precedente, ter confirmado que desta vez, a visita estava agendada no sistema. E POR QUAL MILAGRE ESTÃO RECEBENDO ISSO? O TÉCNICO AINDA NÃO CHEGOU, MAS O SERVIÇO VOLTOU. DECIDIDAMENTE, TALVEZ EU NÃO SEJA TÃO AZARADO ASSIM!
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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