“Fibrrrrrra, grrrrr...”
Sou um sujeito azarado. E não digo isso motivado por eventos que a lei de Murphy cita, como o caso do sanduíche que cai com o presunto para baixo. Por sinal, isso jamais me aconteceu. Mesmo assim, reivindico um lugar no pódio dos mais azarados do planeta. Não pleiteio o primeiro lugar, pois o risco de ser fulminado por um raio, mesmo com o céu azul, existe. E se não me fulminaria, como afirmar sem corar ser o indivíduo portador da maior dose de urucubaca, cábula, cafifa etc. do planeta? Eis um paradoxo que não merece análise. Para encurtar, e para evitar qualquer acusação de difamação (o clássico CYA – dos yankees) direi que devo ser um assinante tanglomanglo do serviço internet – fibra da prestigiosa empresa Vivo. Obviamente devo ser o único a ter queixas do serviço que deve deixar encantados todos os demais clientes dessa excelente organização. No entanto, para ratificar minha condição de pé-frio, direi que durante o dois mil e cinzas, após vários anos de serviço sem problemas, encaro um MTBF de 12 dias. MTBF? Sim, Gertrudes – o tempo médio entre falhas – sigla importada do irmão do Norte – sem pagamento de impostos: II, IPI, ICMS etc. Esse ligeiro desconforto me levou a contatar inúmeras vezes o serviço 10315. De cara, ou, se preferirem, ex abrupto, uma voz metálica me informa que para tirar dúvidas, basta acessar vivo.com.br, informação preciosa, indispensável até, para quem está sem o serviço de internet. Para continuar ser atendido, devo digitar o número do meu telefone. A seguir, após minutos de relaxamento, com direito a uma música de fundo a deixar Mozart empalidecer de inveja, entra uma voz, desejando bom dia sou wu#ie98@49y&wr (pois raramente consigo identificar o nome), que manifesta o desejo legítimo de saber com quem fala. Desejo legítimo atendido de pronto. Claro que Solomon é um nome complicado e entendo perfeitamente o fato de a digna representante da preclara empresa perguntar se é Soloman, Salomão, Salomon etc., mas um acordo é alcançado rapidamente, via de regra. A voz maviosa pede que lhe forneça (de novo!) o número do telefone dodói – com o código de área – ne vous déplaise, e para o caso de a ligação cair um número de contato. Deixo de mencionar os casos frequentes em que a ligação cai e o processo recomeça, com direito a todas as agruras já descritas, tornando inútil o protocolo de atendimento anotado – tinha esquecido esse detalhe. Além de azarado sou desorganizado. Seria ocioso mencionar que mesmo quando tive tempo de informar o número de contato só fui contatado uma única vez em mais de uma centena de eventos de queda da ligação. Melhor que os 3% do caso Petrobras. A prestimosa atendente manifesta seu desejo de saber se quero ser tratado de ‘você’ ou de ‘senhor’. Nunca me ocorreu a resposta: “Quero que me chame de trouxa” em razão de minha refinada educação e prefiro responder: ad libitum – como quiser. Descrição do problema, e começa uma série de manobras. Desligue o modem, espere 10 segundos – para outras, 15 segundos, alguns testes e a conclusão: o problema é do seu equipamento, solicite o serviço de um técnico de sua confiança. Dependendo do ciclo lunar, a resposta pode ser: Agendaremos a visita de um técnico. Neste caso, a pergunta natural é: “para quando”, e a resposta sobrenatural: “daqui a dois dias”. Jamais tive a ventura de ouvir – lembrem-se do meu azar crônico –“dentro de N horas. Mas é só converter os dias em horas e não se fala mais nisso. Há duas possibilidades: O problema se resolver sozinho, ou o técnico chegar e informa que: “O problema foi da Central”, inocentando, em ambos os casos minha placa-mãe, a motherf... perdão. A última ocorrência ainda não chegou a bom termo: “Temos um problema de rede e a previsão é de 24 horas”. Isso já aconteceu e a experiência mostra que, para azar meu – preciso repetir? – a previsão não se concretizou. Afinal um dia, ou dois, qual a diferença? O conselheiro Acácio de pronto informaria que nesse caso a diferença é de um dia. Nesse último episódio, ainda inconcluso, lembrei de um quadro do Jô Soares, quando ele ainda era engraçado; “Quero o chefe, quero falar com o chefe, você é o chefe?”. Falei com a supervisora, pessoa gentil, pouco acostumada a reclamações – como disse, devo ser o único assinante com problemas – e que me brindou com um silêncio sepulcral durante minha jeremiada. Se estava jogando paciência, planejando as compras no super, ou lendo jornal são hipóteses que mal ouso formular. O fato é que, terminado meu monólogo lamurioso, tive a satisfação de ouvir que havia alguém do outro lado. Prova disso que ela me recomendou ligar para a Ouvidoria. Um 0800. Perfeito. Não consegui formular meu discurso na integra, pois... azar... a ligação caiu. Tudo irá se resolver. Mas para dar uma dimensão mais exata dos meus azares, citarei alguns fatos. Depois de vários anos, desfrutando do serviço de fibra, recebi outro dia a informação que receberei o serviço... de fibra. Naturalmente, ao técnico que veio fazer a instalação restou apenas confirmar que estava diante de um bis in idem tecnológico. Acrescentarei a latere que durante vários meses fui informado que o representante da Vivo, cujo nome não declino, iria visitar minha empresa. Isso sempre me encheu de orgulho. Um escritório de poucas dezenas de metros quadrados com um único ocupante – isso se não contar Ababurtinogamerontes, L., Lucy, e mais recentemente Valter Ego, personagens das minhas crônicas – ser tratado como uma Procter and Gamble é para me pavonear com justa razão. Desnecessário dizer que mais uma vez minha desdita conspirou e jamais vi esse cidadão, cuja presença era anunciada e confirmada, até com o horário de comparecimento. Chegou a hora de uma confissão. Além de azarado, vez por outra, transfiro meu azar. Por exemplo, três livrarias de Porto Alegre, uma de Brasília e outra de São Paulo que comercializavam meus livros fecharam. A Livraria Cultura – provavelmente dispondo de informação privilegiada, livrou-se do sortilégio, ao pedir uma taxa de ocupação privilegiada na gôndola. Não paguei, logo, quem quiser adquirir um dos meus livros deverá ter DNA de contorcionista misturado com de explorador polar, para, ao custo de manobras dignas de um Diego Hypolito localizar algum exemplar. Incluo nesse rol, uma editora de São Paulo que também fechou... Movido por sentimentos que têm um toque de vingança, penso seriamente em adquirir ações da fabulosa empresa. Afinal, sou um sujeito de... fibra. Até lá, resta-me seguir o conselho da ilustre Senadora Marta Teresa Smith de Vasconcellos Suplicy.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
|