Faz um mês inauguraram uma nova galeria Na feliz combinação arte com hotelaria. Desde então vive tão cheia, impossível visitar, Desafio aos amadores, longas filas enfrentar. Finalmente, um belo dia, ajudado pela sorte E por uma patronesse, cujo santo era forte, Conseguiu por um milagre o ingresso tão sonhado, Constatando que o destino não o tinha abandonado. O lugar impressionante e repleto de pinturas Em painéis dependuradas e, no meio, esculturas. Alguns guias voluntários interpretam as mensagens, Traduzindo em palavra a linguagem das imagens. Decidiu seguir um guia todo uniformizado, Que as obras explicava com um ar compenetrado. Convidado com o resto, um lugar tomou num banco E ouviu os comentários sobre uma tela em branco. ‘Linda tela que por sorte foi possível adquirir. O pintor foi inovando, pôde até substituir O convencional do traço por um ritmo interior. Essa obra sem ambages é de nível superior.’ E, perante a tela branca, o discurso continua, A inspiração da obra foi uma modelo nua, Pela qual ele nutria um amor indescritível. Falecida em desastre. O destino é terrível! Esse outro representa a essência do borrão. Para espalhar as cores, o pintor usou a mão. Surge ali um comentário: ‘Olha, para ser bem franco, Creio que ainda fico com aquela tela em branco.’ ‘Meu senhor, são dois momentos igualmente criativos, Ambos dignos de elogios, ambos são superlativos! Ficaria um dia inteiro admirando essas obras, Não há quem lhes chegue perto, nem os mais famosos cobras.’ Frente a uma nova tela, a sessão explicativa ‘Livre se sentiu do jugo da arte figurativa, Vejam, um simples quadrado. Quanta força ele exala. Olhem bem, este quadrado ponto alto é da sala!’ ‘Outra obra milionária, olhem por aqui, senhores, Este monte de areia, cacos de diversas cores, É um marco da escultura, coisa igual já não se faz, Essa obra tolstoiana chama-se Guerra e Paz.’ A platéia cativada nem ousava divergir. Comentários em voz baixa, todos querem prosseguir: ‘E aquela outra obra, a vermelha, meu senhor, Valerá uma fortuna?’ ‘Vale, sim, é o extintor’. Do livro “Desespero Provisório”
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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