Conversa (des)afinada
Existe um projeto que corre por aí, de autoria de Renato Simões e Ricardo Berzoini – ambos do PT. Em resumo, de acordo com o projeto, os dividendos – lucro distribuído por pessoas jurídicas – seria tributado novamente na declaração de rendimentos das pessoas físicas. Essa medida, se implantada, representaria obviamente uma bitributação. Bem, o Sr. Berzoini já imaginou coisas piores, como as Berzofilas dos aposentados que deveriam comprovar – se sobrevivessem às filas – que estão em vida. Além disso, o projeto eliminaria a figura dos juros sobre o capital próprio (JCP), que hoje representam uma despesa dedutível na declaração das empresas, cuja obrigação é de recolher um imposto de 15%, na fonte. O acionista arca com esses 15%, em compensação as empresas deixam de pagar IR e CSLL sobre uma parcela de lucro que passou a ser uma despesa. Como diria o conselheiro Acácio, caso perguntado, trata-se de um incentivo beneficiando em última análise empresas e acionistas. Claro que se o projeto prosperar o governo apuraria sonhados bilhões, vale dizer, além dos que já apura de maneira abusiva – focando ainda esse microcosmos. Os acionistas, seres demonizados por investir no mercado de ações, já têm motivos de sobra para resmungar. Nas entranhas do Plano Real existe a intenção de acabar com as indexações. Uma intenção louvável, mas que não se aplica de maneira universal, por uma razão excelente. Não vivemos num mundo de inflação zero. Daí salários e tarifas de serviços são corrigidos e parece justo, embora como toda correção monetária, realimentem o processo inflacionário. Não se tem notícias de qualquer categoria profissional que tenha rejeitado a reposição de perdas inflacionárias em nome do combate à inflação. Tentem persuadir seu dentista na próxima oportunidade. Com os odiados acionistas essa eliminação assume um efeito perverso, sobretudo no caso dos investidores de longo prazo, aquele prazo que segundo Keynes, uma vez decorrido nos iguala perante a dama da foice. Suponha-se um investidor detentor de um lote de ações adquiridas há uns 20 anos, ao preço unitário de 100. Decorridos esses 20 anos, eis que esse cidadão decide vender as ações, pelas quais apuraria hipotéticos 120. Vem o fisco, sempre vigilante, e tributa a diferença. Não é preciso ser doutor Honoris causa por Sciences Po, na França, ou um mero PHD pela Universidade de Chicago para perceber que o pobre diabo será tributado sobre um lucro inexistente. Se alguém tiver paciência de examinar uma tabela do IBGE, notará, caso não esteja com preguiça de fazer as contas, que o IPCA no período 1995-2014 evoluiu algo como 222%. Ou seja, o investidor paciente deveria apurar mais que 322, para que pudesse falar em lucro. O Fisco vigilante não quer saber disso. Trata-se de um exemplo extremo, mas ignorar a existência da inflação produz distorções. No caso dos imóveis já existe a figura da correção quando da alienação. Para as ações isso seria consideravelmente mais trabalhoso, então... Por outro lado, o Plano Real eliminou a correção dos balanços. Com isso, empresas capitalizadas passam a apresentar lucros inflados por uma parcela inexistente, sobre os quais incidem IR e CSLL, com a maior naturalidade. Para um período curto, o efeito é menor, mas considerando o fato de essa medida ter soprado 20 velinhas, há uma distorção. Então verberar os JCP como ‘planejamento tributário’ parece algo exagerado. Para ser franco – ou euro, já que os francos perderam a validade – no caso das empresas altamente endividadas, ocorre o efeito oposto e elas SONEGAM LEGALMENTE, já que seu lucro é subestimado. Possivelmente nossos parlamentares, ao examinar o tal projeto de lei, se é que o examinarão algum dia, poderiam dedicar um olhar distraído a essas distorções, ou só vale arrumar $$? Desmoralizar o mercado de ações não parece uma boa ideia. Para todos os efeitos, amaldiçoar os especuladores já dá bastante IBOPE.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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