Conversa (des)afinada
Há quem não tenha gostado. Bobagem. A voz do povo... já sabem, o povo é ventríloquo. É possível duvidar do processo, partir para teorias conspiratórias e, raciocinando, menos com o cérebro e mais com o fígado, indignar-se. Ah, as urnas estavam pré-programadas, as pesquisas foram fajutadas etc. Nada disso irá resolver. Estamos (ainda) numa democracia, logo... parafraseando Millôr: “Livre desconfiar, é só desconfiar”. Mesmo conhecendo-lhe os pujantes antecedentes, espera-se que a oposição desempenhe, diferentemente do que que nos acostumou nos últimos 12 anos, um papel menos ridículo. Oxalá. Partir para o “fora Dilma” seria repetir, trocando os papéis, o “fora FHC” do glorioso Tarso Genro, uma aberração entre tantas outras, como os “apitaços” comandados pelo José Genoíno no Congresso, ou o recente abraço à Petrobras, como se houvesse ainda muito que espremer da nossa ex estrela. Antes de prosseguir, um pensamento digno do Conselheiro Acácio: “O papel da oposição é fazer oposição”. Querer passar a limpo Pasadena e outras Refinarias Abreu e Lima é obrigatório. Ah, e os escândalos de vocês? Vale lembrar que a exemplo do jogo de buraco (palavra desastrosamente colocada), o Brasil ganhou uma nova divisão “Nós” e “Eles”. Ora, tudo deve ser investigado na república dos grampos e dos vazamentos. Sem querer tisnar a vitória da presidente, ou presidenta, como queiram, tecer algumas críticas mal algum faria. Apesar de ela já ter dito que em campanha eleitoral vale fazer o diabo, nem que a vaca tussa – citando a mesma fonte –, faz sentido aplaudir os meios utilizados. Desconstruir a imagem do oponente, não de um inimigo, apenas um adversário já não é elogiável. Agora desfilar o rosário de mentiras utilizadas chega a ser deprimente. Atribuir ao “inimigo” intenções torpes é uma manobra reprovável, para usar um eufemismo. Basta lembrar do filmete relativo à independência/autonomia do BC que faria sumir a comida da mesa da população para indignar-se, e, polidamente, achar “feio”. Colocar gráficos – que falam mais que mil palavras – com escalas distorcidas para ilustrar uma desconcentração vertiginosa de renda, quando não foi o que de fato ocorreu foi no mínimo uma desonestidade intelectual. O refrão: quebraram o País três vezes, é uma frase que possui um toque bíblico algo, com todo o respeito. O país não quebrou, foi ao FMI duas vezes. Nem vale argumentar que a primeira foi herança do calote de Sarney e a segunda foi dinheiro para ajudar o governo Lula1. Declarar que foram retiradas da miséria 35 milhões de pessoas, quando o número mais correto seria menos de um terço do valor declarado seria um “superfaturamento” tão em voga hoje – e por que não dizer no passado? Seria pura insanidade contestar que houve progresso ao longo desses últimos 12 anos, assim como seria panglossianismo puro achar que nada de melhor poderia ter sido feito. Não vivemos no melhor dos mundos. Os “idiotas da objetividade” na expressão de Nelson Rodrigues poderão e deveriam ter colocado um bemol nas declarações triunfalistas que poluíram a campanha eleitoral. Agora, já era. Como deixar de associar o “renascimento da indústria naval nacional” ao lançamento do famoso João Candido, recolhido às pressas para evitar que a cerimônia se transformasse numa triste comemoração de um naufrágio? O que dizer de algumas obras do PAC que estouraram prazos ou sequer saíram do papel, ou alguém acha que a transposição do “velho Chico” foi concluída dentro do cronograma. Ah, ainda não foi? Paciência. É provável que a obra termine antes da entrada em operação do trem-bala que nem licitado foi. Para falar em aceleração do crescimento diria o senhor La Palisse, antecessor do famoso conselheiro, ao qual associam-se a emissão de obviedades, é necessário haver crescimento. Diria um matemático amador: “Vamos cuidar da derivada primeira, antes de trombetear as maravilhas da segunda”. Isso nos leva ao tal crescimento, que se resumiu, nos últimos quatro anos, a miseráveis “pibinhos” e se 2014 for tão ingrato quanto parece, decorridos dez meses do último ano quadriênio Dilma I, poderemos chegar à triste constatação de ter havido uma evolução pífia do PIB per capita. Decréscimo? Seguramente em 2014. Como a busca de culpados é o passatempo predileto no Olimpo presidencial, a culpa será das capitas. Esses velhinhos que se eternizam e ainda contribuem com sua teimosa longevidade a aumentar o buraco da (im)Previdência! Isso sem contar com a conjuntura internacional. Ficou combinado que quando ela for favorável, os méritos serão nossos e quando o oposto se verificar, será essa tal conjuntura a causa dos nossos problemas. Novamente, os idiotas da objetividade observarão timidamente que outras economias ditas emergentes conseguiram taxas superiores às nossas, mesmo em tempos bicudos. Alto lá! Não somos (ainda) uma economia “submergente”. Na campanha eleitoral, os vencedores insistiram nos tais novos rumos da economia como se de repente, por um passe de mágica houvessem criado uma oposição dentro da situação. “Faremos melhor”. Bem, é o que se espera. Enfim, águas passadas. À guisa de consolo, citarei um amigo que se me der a honra de ler essas traçadas mal linhas, haverá de reconhecer sua sentença definitiva. “Ninguém quebra um país”. Portanto não é o caso de lembrar o “Finis Poloniae” do herói Tadeusz Kosciuszko. A Polônia não acabou. Continuou viva, tão viva que ainda hoje há quem se lembre das famigeradas polonetas. Nada de “Finis Brasilis”, portanto. Talvez sejamos menos contracíclicos no futuro e pronto. A presidente do clube já demitiu (aceitou uma demissão sem dar tempo ao interessado apresentá-la) o pobre Mantega, por tabela alçado à função de pai do fracasso e alvo dos “fracassomaníacos” (ops, essa é do outro). Agora vamos nos preocupar com a regulamentação da mídia, reacionária, sectária conservadora por definição e vamos caminhar a passos largos colhendo os elogios da nossa mídia progressista. Sem o direito de criticar, não há elogio válido, disse outrora Beaumarchais. Em francês soa melhor. O PT deseja ser hegemônico. Prolfaças! Poderemos presenciar a criação dos conselhos populares, poderemos também fazer algumas contas, como por exemplo: como é que los Hermanos de Cuba têm para exportar mais 10.000 médicos para o Brasil além dos 30.000 existentes na Venezuela? Em 2006 – último ano para o qual achei algo no Google, havia em Cuba 60.000 médicos e em 2013 uns 380.000 médicos no Brasil. Faz sentido. 10.000 em 380.000 é a solução. Se faltarem leitos e até esparadrapo, ora, não têm pão, comam brioches. Já que faremos tábula rasa do passado, talvez cheguem ao fim as tais “pedaladas”, ou seja, o financiamento disfarçado concedido pelos bancos oficiais ao Tesouro, “conta movimento” (ops, orçamento paralelo do BNDES) e outras artimanhas destinadas a enganar não se sabe bem quem. Pedalaremos na Olimpíada. 2016 está tão longe, tudo ficará pronto a custo baixíssimo. Somos um país sério, lhano e verdadeiro. Algumas agências de “rating” parecem dispostas a acreditar – parcialmente – nisso. Que não ousem mexer no nosso “Grau de investimento”. A exemplo do petróleo, o Investment grade é nosso. E como se não bastasse, estamos abertos a convênios celebrados à sorrelfa com hermanos venezuelanos, dispostos a compartilhar sua rica experiência em fomentar sublevação. Bobagem. O Itamaraty já ergueu as sobrancelhas em sinal de espanto, o que diplomaticamente deve ter um valor inestimável. Se o pior acontecer, e sabemos que isso não passa de discurso de mau perdedor, poderemos caminhar para um pleonasmo “democracia popular” e terminar numa onomatopeia: Ploft!, enquanto a vaca se encaminhar para o brejo. Bem-vindos ao Dilmistão!
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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