Conversa (des)afinada
O título acima foi tomado emprestado de Antonio Gramsci. De fato, o que fazemos é permanecermos inertes ante o desenrolar da História, delegar, em suma, aos “outros” a tarefa de escolher os caminhos a serem trilhados nos próximos quatro anos e suportar as consequências da escolha. Nada mais apropriado do que este momento importante em que estamos prestes a decidir democraticamente os rumos da Nação para repudiar o irresponsável dar de ombros. Estamos em plena campanha eleitoral, e sem a pretensão de ter algum dom superior, capaz de separar o certo do errado, é possível tecer algumas considerações. Dizer que a campanha eleitoral em clima de Fla-Flu chega a beirar o ridículo mais atroz nada tem de original. A troca de ideias deu lugar a um pugilato verbal, no qual a agressão aos fatos – e aos oponentes – tem lugar de honra. O marketing eleitoral flerta com os limites que justificariam um direito de resposta e vendem uma imagem apoteótica do/da cliente, sem perder a oportunidade de espalhar inverdades injuriosas a respeito dos concorrentes. Se houver uma reação mais violenta, azar, publique-se... um dia um desmentido. Não! As cadernetas de poupança não serão confiscadas. Ops! essa é de 1989. Um BC independente vai tirar a comida da mesa do trabalhador! Como? Não interessa. Os banqueiros malvados vão se empanturrar com os juros da dívida. Pera lá, quando o Tesouro se endivida, lemos ou ouvimos que o Tesouro ‘captou’. Inflamos o peito de orgulho. Pois é ‘captou’ significa se endividou, tomou dinheiro de aplicadores e aumentou a dívida emitindo papel. E vez por outra repassa distraidamente uns 10% do PIB ao BNDES que empresta a juros amigos aos tais “campeões nacionais”. Nesse caso, a dívida líquida nem cresce, pois é repassada, em condições que custam ao País algo como duas vezes o orçamento da Bolsa família. E daí? A cada centavo dessa dívida, o Tesouro tem a receber o mesmo valor do BNDES... um dia, já que o grande banco repactuou a sua dívida. Do lado dos elogios, não falta nada, nem o atestado do cardiologista afirmando ser certa candidata possuidora de um coração valente. E é preciso, afinal para construir – não fazer construir, aí seria muito banal – quilômetros de estradas, vias férreas etc., haja coração. Detalhes como atrasos nas obras pouco importam. Até o relógio do seu Zé atrasa. Se as obras saem pelo dobro, triplo e por aí vai, do preço acordado, paciência. Quem já reformou sua cozinha sabe que isso é normal. Vivemos a redenção da nossa indústria naval com o navio João Candido que deu menos Ibope que o Titanic. O Titanic afundou o João Candido voltou para reparos. Fizemos um carnaval com nosso Trem-bala. Já não se ouve falar desse projeto. Na política externa, somos os promotores do eixo Sul-Sul. Vamos mostrar a língua pro Tio Sam. Perdoar dívidas de tiranetes africanos é um achado, afinal, são dívidas que nunca serão pagas. Depois das Polonetas, que venham as afriquetas! Nossa diplomacia é de gigantes diplomáticos. Estamos prontos para, através de negociações, mediar todos os conflitos do planeta. Azar de quem duvida. O mundo está de olho nas nossas iniciativas. Como potência hemisférica estamos prontos a levar de pigmeus sul-americanos os tais pontapés aos quais se referiu o tal de Jerôme Valcke. Se a Bolívia pisa nos nossos calos, e toma manu militari as instalações da Petrobras, não tem importância, afinal o PIB boliviano vale menos que o valor de mercado do Itaú. O irmão mais velho está aí para ajudar. Quanto à Petrobras... Rockefeller estava errado ao dizer que o segundo melhor negócio do mundo é uma empresa petroleira mal administrada. Somos líderes, logo marchamos na frente, e quem marcha na frente corre o risco de tomar chutes de quem vem atrás. E viva o Mercosul, onde enterramos definitivamente a chance de fazer florescer nossas exportações. E se exportamos para a Argentina e recebemos com atraso, é por causa dos abutres. Se o pacto automotivo muda como mudamos de camisa – sempre a nosso desfavor, isso não tem importância. É só mudar menos de camisa. Culpa de FHC! Nossos portos são uma calamidade? E daí, sabemos construir portos... e demonstramos isso em Cuba. Na onda dos rapapés, fizemos força para admitir, no Mercosul, a Venezuela, nossa parceira na tal refinaria Abreu e Lima, que um dia estará pronta. Somos bolivarianos nas horas vagas. Temos o exemplo luminoso da Venezuela. Ah, lá falta papel higiênico? Mas para quem come pouco para que esse luxo neoliberal? O termo “conta de padeiro” ganhou destaque ultimamente. Funcionaria no caso do nosso Fundo Soberano? Vejamos. Em 2008 ao invés de pagar uma parcela de juros da dívida, separou-se uma grana – uns R$ 14 bi – e foi criado o FSB. É chique ter um Fundo soberano! Ativo como um girino – pouca cabeça, muita cauda e muito movimento, participou do “maior capitalização do mundo” subscrevendo ações da Petrobras, pagando R$ 26,30 as PN e R$ 29,65 as ON. Tempo depois, se desfez – com prejuízo – delas, vendendo-as ao BNDES, para não derrubar o mercado, que já não andava bem das pernas. Comprou ações do BB. Agora para funcionar como esparadrapo das contas públicas terá de se desfazer das ações do BB e pingar R$ 3,5 bilhões na conta do Tesouro, a fim de complementar nosso raquítico superávit primário. Com qual finalidade? Bingo! Para praticar o oposto da manobra que o criou: pagar juros da dívida! Parabéns, padeiro contracíclico! Tivemos a promessa de se construir 800 aeroportos regionais. Parece que só faltam 799, descontando o aeroporto da família do candidato do PSDB, em torno do qual o que não falta são comentários. Nossa presidenta, em busca de um segundo mandato, comete vez por outra deslizes, deixando a cargo da fiel asponeria a tarefa de explicar que não era bem aquilo. Ao comentar, numa entrevista com blogueiros, a regulação econômica de mídia, um dos objetivos do seu eventual próximo mandato, afirmou que essa bandeira nada tem de bolivariano. “Controle de conteúdo é típico de país ditatorial, não de país democrático”. Recapitulemos em câmara lenta. O controle econômico difere do controle de conteúdo. O controle de conteúdo é típico das ditaduras. Não há intenção de estabelecer o controle de conteúdo pois se pretende uma forma que nada tem de bolivariano. Por acaso ela quis dizer que o bolivarianismo seria próprio de país ditatorial? Puxa vida, e Lula que dizia que não há país mais democrático que a Venezuela. Excelência, é preciso atualizar urgentemente o banco de dados e de pensamentos. Em resumo, odiar os indiferentes talvez não baste. É preciso votar com responsabilidade. Abraçar o prédio da Petrobras é, para quem não tem o que fazer, a não ser impressionar os desinformados. Permanecer insensível ante a inevitável reeleição... de Tiririca é dose.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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