A vida é finita, todos sabemos. Sabemos mas não gostamos de encarar o fato. O homem ainda não descobriu o significado de sua presença no planeta. Há muitas e variadas versões, nenhuma consistente. Todas possuem a fragilidade estrutural de edifícios erigidos sobre pilares de fumaça. Baseiam-se na fé, que dá a versão definitiva e evita questionamentos incômodos. Na noite de sexta-feira morreu a mãe de minha mulher, minha sogra. Morreu depois de uma longa e sofrida enfermidade. Todos sabiam e esperavam o desfecho, ainda assim, ver aquela pessoa com quem convivemos durante tanto tempo, imóvel, gelada, inanimada, me causou estranheza. A morte sempre me causará estranheza? Como é o não ser? Não deve ser ruim, não tenho más lembranças de momentos anteriores ao nascimento. Nem boas. Durante a longa noite de espera no velório, em certo momento chegou um homem. Deu para notar que estava fora da normalidade, visivelmente abalado. Andou por todas dependência do prédio, procurava alguma coisa, depois sentou-se ao meu lado. Sem que eu perguntasse foi logo dizendo que havia acabado de perder um filho. Um rapaz de 19 anos, morto a tiros por causa de uma briga. Enquanto ele esteve lá permaneci ao seu lado. Era notório que precisava falar, deixei que falasse. Nenhuma palavra que eu proferisse poderia aplacar a dor do pai que perdeu o filho. É a inversão dos acontecimentos que permeiam nossas vidas. Diz o dito popular: "quem tem pai enterra defunto". Aquele homem perplexo tinha no semblante o que a literatura chama de coração partido. Durante alguns breves instantes sofri com ele. Nunca esquecerei aquele olhar. Carregava todo o sofrimento do mundo. Por quê?
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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