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COLUNISTA
Alexandru Solomon
25/04/2014 - 09h03
O mundo gira
 
 
Ainda há faxineiros no vale do Silício

Freqüentemente, fala-se nos desafios de um mundo globalizado no qual, querendo ou não, o Brasil está inserido. Nada mais verdadeiro e nada mais enganador. Não se discute a ocorrência de novos fenômenos, que tornam cada vez mais complexa a conjuntura. No entanto, é importante reconhecer uma verdade: Por mais que tenham ocorrido mudanças, as sociedades mantiveram as suas relações intrínsecas.

Fala-se em globalização, outros usam “mundialização”, como se fosse uma ocorrência bombástica, sem precedentes. Ora, não é nada disso. É possível falar, sem exagero algum, em globalização na época do Império Romano, ou na época das grandes descobertas geográficas, isso para não falar na época contemporânea. Acontecimentos econômicos e culturais originados em um ponto qualquer do planeta se expandiram, ocupando espaços cada vez maiores.
Devemos à globalização o consumo da batata, do fumo, a disseminação de normas jurídicas, ou a adoção de diferentes maneiras de trajar-nos.
O que mudou drasticamente foi a velocidade de propagação das novidades. Para ilustrar esse fato, basta apoiarmo-nos em exemplos banais, ao menos aparentemente. Podemos nos lembrar, afinal, estamos falando numa época da qual muitos de nós são testemunhas, do tempo necessário para que um sucesso literário, musical ou cinematográfico no Exterior impactasse nossos hábitos. A mini-saia levou mais de um ano. Sucessos dos Beatles, algo parecido, e por aí vai. A revolução das telecomunicações acrescentou esse componente quase mágico da instantaneidade, acrescido da superabundância de dados e informações – nem sempre imprescindíveis, mas essa é uma outra história.
A proliferação de informações, fez evoluir os mercados para algo bem próximo da ficção teórica chamada de “mercados perfeitos”. Nesses, os dados estão permanentemente atualizadas e à disposição de quem os queira usar. Se, na época das guerras napoleônicas, atribuiu-se o enriquecimento dos Rotschilds à informação rápida que tiveram quanto ao desfecho da derrota de Napoleão em Waterloo (pombos-correio teriam sido portadores das notícias), hoje qualquer operador de mesa de uma instituição financeira possui, bem à sua frente, um ou mais monitores com as cotações dos principais mercados mundiais. Aos pombos-correio a aposentadoria!
Sub-rotinas acessíveis substituem “o faro” do analista, o qual prefere errar acompanhado a assumir o risco de acertar sozinho. Isso explica, ao menos em parte, os movimentos de manada do mercado financeiro. Só meu amigo Pé Trocado, já mencionado, ignora a massa, mas já recebeu aviso prévio.
As operações ditas de ‘arbitragem’ que consistem em comprar barato num lugar para vender em outro onde a cotação for maior, mantiveram sua graça. Operadores mais velhos das nossas bolsas ainda se lembram das operações ‘Ponte Aérea’, nas quais, dependurado numa linha telefônica alugada, tentava-se comprar no Rio e vender em São Paulo, ou vice-versa. Aqueles feitos viraram folclore, debate saudosista de mesas de bar, as quais, por sinal, pouco mudaram.
Estão sendo criadas condições que requerem um novo tipo de profissional. Evidentemente, isso não vale para os ramos tradicionais da economia. Arar, por exemplo continuará sendo uma atividade que irá requerer o contato de máquinas, por mais evoluídas que sejam, com o solo. Projetar uma viga demandará os mesmos cálculos, mesmo se a saudosa régua de cálculo foi aposentada e substituída por um software sofisticados. Quanto ao desentupidor de pias, (por enquanto), o comando “Iniciar”, “Desentupir” dirigido a um robô precisa ser aprimorado.
O lixo (em quantidades crescentes, por sinal) continuará sendo recolhido e o sapateiro não irá além dos sapatos, apesar de as indústrias disporem de métodos de CAD (projetos auxiliados por computador). O bordão latino: Ne sutor ultra crepidam – sapateiro não vá além das sandálias – possui uma barba de mais de dois milênios. Para apará-la, os préstimos de um barbeiro ainda merecem alguma consideração.
Qual o elemento comum nas mudanças, se é que houve mudança?
A resposta é simples. Não mudou o “o quê”, mudou o “como”. Dito de uma forma mais empolada, houve um crescimento exponencial da função meio. A mudança radical ocorreu no setor de serviços. Mesmo assim, as alterações foram muito mais na forma do que na profundidade. De fato, desapareceu a figura do contador com viseira e protetor de mangas. No entretanto, a função permanece, sendo desempenhada de forma muito mais rápida, com o auxílio da informática. Os cínicos dirão que assim erra-se com maior rapidez. Deixem que digam, que pensem, que falem...
Essa evolução, contra a qual seria bobagem insurgir-se, sob pena de virar objeto de chacota, introduziu uma dinâmica peculiar à divisão mundial de mercados. Como conseqüência imediata, a demanda por determinados profissionais explodiu em diversos locais. A má notícia é que em decorrência disso, paralelamente ao fenômeno de desemprego – vamos chamá-lo de tecnológico, embora isso em nada atenue o trauma dos alijados do mercado de trabalho; tecnológico ou não, desempregado continua desempregado – as exigências se tornaram cada vez maiores, acarretando uma demanda crescente por indivíduos preparados para enfrentar novos desafios, além de criar uma necessidade de contínua atualização; esse fato expôs uma fraqueza do sistema educacional daqui e de alhures. Parece que dominar o IPad não bastará, mas ai do dinossauro que não souber.
Com as novas exigências, trazidas pela alta tecnologia, os profissionais necessitam estar altamente atualizados. Não só na sua especialidade, mas devem conhecer também tudo aquilo que impacta sua atividade-fim. O perfil polivalente vale para todos: em atividades de emprego tradicional, que rareiam a cada dia; ou em prestação de serviços, que crescem e se renovam a olhos vistos, o perfil generalista é desejado. Novamente com a palavra, os mesmos cínicos dirão que ao invés de profissionais que saibam tudo sobre alguma coisa bem definida, serão requisitadas pessoas que saibam nada sobre tudo. Que saudade sentimos do médico que acompanhava a família, quando nos defrontamos com um especialista em traumas do joelho (mal) pago por um (custoso) convênio. Sem tocar no paciente, irá solicitar-lhe uma extensa bateria de exames, antes de fazer valer seu talento. Isso não impedirá um colega dele, vez por outra, de retirar o rim errado.
Assim, compreende-se que a educação formal dada ao cidadão deste novo século siga um roteiro diferente. A escola precisa estar em constante renovação de seus currículos. Isso é um pouco mais complicado do que introduzir “o novo”, seja lá o que isso possa significar.
A obsolescência não espera que se conquiste o almejado canudo, já faz as suas vítimas nos bancos escolares. Uma atualização contínua dos educadores é imprescindível. Para tanto, a combinação da decantada “vontade política”, associada à contribuição decisiva do vil metal será essencial.
O mercado de trabalho sofre solavancos incríveis, postos de trabalho são suprimidos e, concomitantemente, inúmeras vagas não são preenchidas. Como poderá um torneiro dispensado ocupar uma vaga de analista de software? Haja dramas! Desemprego coabitando com anúncios de “Procura-se para início imediato”.
Para todos os efeitos, o mundo encolheu, perdeu a dimensão de arquipélago para transformar-se na famosa “aldeia global”. Ao invés de dirigirmos um calhambeque, estamos a bordo de um bólido da Fórmula I, cientes da existência de curvas Tamburello assassinas.
Virou moda esculhambar a imagem dos mercados que se auto-regulam, ou seja, cuidam de si, dispensando intervenção, desde que haja regras do jogo corretas. Não faltam argumentos e evidências a favor da tese. No entanto, eles se auto-regulam, sim. Ocorre que nenhuma sociedade pode suportar as conseqüências desse processo. No seu automatismo isso pode levar a desastres insuportáveis.
Admitamos. A sociedade está em contínua evolução. (Essa frase merece um lugar de honra na galeria das maiores obviedades.)
Mesmo assim, falar em ineditismo encerra um exagero. Na metade do século XIX o escritor romeno Ion Creanga, famoso pelos seus contos infantis e seu tosco antissemitismo, escreveu, em tom de troça: “Com tanta educação quem irá engraxar-nos as botas?”
Trata-se de um desafio complexo. Para que ele não se transforme em pesadelo, a sociedade deverá se adaptar. Antes isso que discursos solenes para justificar o fracasso. A alternativa inaceitável seria unir o fútil ao agradável. Por quanto tempo?

Crônica do livro “A luta continua”, Ed. Letraviva.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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