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COLUNISTA
Alexandru Solomon
03/04/2014 - 11h00
Ópera
 
 

“L´opéra c´est comme l´amour. On s´ennuie mais on y revient”.

É claro que os leitores prescindem da tradução da frase do senhor Flaubert. Todavia, como o francês anda em baixa, depois que De Gaulle não disse o que lhe atribuem a respeito do Brasil, lá vai: 'A ópera é como o amor nos enche de tédio, mas a ela voltamos'. Estranho, como sendo eu defensor de formas arcaicas na poesia (meus incontáveis leitores sabem que prezo a dupla rima & ritmo), possa não ser fã dessa outra forma artificial de expressão que é a ópera.

Talvez a imagem de Rigoletto de saco cheio (Nele estando a filha, Gilda, após estranha e complicada trama, que redunda numa vingança desastrada – que azar, né! Como confiar num camarada chamado Sparafucile. La donna è móbile, tudo bem, mas isso não significa que deva escolher um saco como meio de locomoção) possa explicar minha relutância. A tempestade do terceiro ato à qual se referia Nelson Rodrigues, toda vez que faltavam palavras para cumprir o mínimo contratual com the Globe, era, sem dúvida, provocada pelas lágrimas da platéia. Vale dizer que essas. Tempestade de terceiro ato, a estudante da PUC, padres de passeata etc. frases padrão transformaram–se numa espécie de xiboletes para os leitores do grande Nelson. Divagar é bom!

Fora isso, vamos imaginar o vilão aproximando–se, aos berros, da futura vítima adormecida e declarando que irá trespassá–la com sua espada vingadora, uma mensagem que será ouvida até no último balcão. Fica difícil entender por que cargas de H2O a futura vítima não se mexe. Mais culta que a platéia das matines infantis, nas quais os pirralhos avisam aos berros que o lobo pedófilo se aproxima, a platéia adulta aguarda silente a consumação do crime hediondo. Sem contar que, as vítimas agonizantes ainda possuem energia para vibrantes árias de despedida dessa para melhor. Ninguém sai preso por cumplicidade, acobertamento ou mau uso de informações privilegiadas. Os menos versados e as Pretty women acharão que o teatro cumpriu dispositivo legal e contratou para o papel de trespassado um portador de deficiência auditiva. Pronto. É a ópera combatendo o
desemprego, ao praticar a chamada discriminação positiva.

O que atrapalha a ópera são os cantores. Antes que alguma alma sensível resolva me odiar por causa desta afirmação, informo que isso foi dito por alguém do ramo. Aos curiosos, poucos após tão exaustiva leitura, direi tratar–se de Rossini, aquele que inovou a arte do bife. Talvez o senhor Giacomo Rossini tenha ficado escandalizado com a obesidade de sopranos, de quem se esperaria dimensões de sílfide. Na verdade, não é raro encontrar vozes divinas em invólucros avantajados. Vez por outra os diretores deparam–se com alguns problemas. Como fará uma Tosca pesando 0,1 tonelada, ou uma sósia de Ângela Guadagnin, para seu salto mortal, já que deve escalar primeiro os merlões do Castel Sant´Angelo? Uma Daiane dos Santos o faria com mais graça com um salto carpado cuja terminação fora do tablado seria exigência, não causadora de perda de pontos. Cantar seria detalhe de vontade política. O senador Suplicy daria um maravilhoso Mario Cavaradossi, diga–se de passagem.

Para aqueles que acham que ópera não passa de um passa–tempo burguês, próprio de uma sociedade decadente obcecada pela mais–valia e pela transposição para os palcos de lindas xaropadas, peço mais algumas linhas de paciência. E além de paciência, inspirado por Turandot, pedirei Nessun dorma, e vamos falar um pouco da irmã mais nova da ópera.

Nas asas róseas da opereta açucarada, a dupla Nelson Eddy & Jeanette MacDonald brilhou intensamente. Tanto brilhou que há um ou outro xenófobo que apressadamente se referem a Nelso Ned e Janete (evitando mencionar a multinacional parônima). “Uma ópera é de esquerda ou de direita”, perguntará um marciano alheio a conceito de base e superestrutura. Até la Bohème, a ópera foi o ópio dos melômanos “alienados”, como se dizia nos anos 70. Puccini colocou no palco intelectuais na pior (isso é quase um pleonasmo). Não satisfeito com esse ato subversivo, ele fustiga a presença americana no Japão em Madame Butterfly – que, atrás da Cortina de Ferro, décadas atrás, ganhou o nome politicamente correto de Cio–cio–san. “Pinkerton go home”! Quem fala em ópera como instrumento alienante quebra a cara ou não assistiu La Traviatta. Que o faça rapidamente, se quiser pegar os cenários de Zefirelli no Metropolitan. DASPU vem aí.

Como curiosidade, para surpresa geral, nos áureos tempos do realismo socialista, a opereta – esse instrumento das classes dominantes etc., etc. – contava com pérolas não–alienantes. Lembro–me, por exemplo, de uma opereta: Ventos de Liberdade, de um certo Dunaievski, a embalar platéias na longa marcha rumo à edificação do socialismo, interrompida até segunda ordem.

Tudo isso é passado. A ópera continuará e algumas árias jamais serão esquecidas.
 
Valeria uma crônica separada a ária da Calúnia da ópera Barbeiro de Sevilha. O pequeno boato brota do nada, um Jefferson qualquer resolve cantar, e pronto, o fuxico arrasta–se ao nível do chão, ganha corpo, se agiganta e esmaga, fato comprovado na sociedade... australiana. Esse, contudo, seria um assunto para os poucos leitores australianos desta prestigiosa coluna.

As torcidas italianas entoam até hoje a marcha triunfal de Aida sem saber, necessariamente, do atribulado affair que envolveu o Sr Radamés. É o 'Cielito lindo' deles ou o Aiaiai, está chegando a hoooora. A torcida corintiana deveria adotar a famosa ária de Carmen para comemorar as belas atuações do Timão. Lula, no papel de Escamillo, seria a glória. Marta Suplicy cantaria L´amour est um oiseau rebelle. Escamillo quase brigaria com don José (quem disse Dirceu?), mas como bom toureiro, tourearia a oposição, os fatos, as fotos. Abaixo azelites que fariam menção ao Nosso Guia Luminoso como sendo um barbeiro, mesmo se de Sevilha! Para azelites, ELE daria a resposta fulminante: “Tutti mi chiedono, tutti mi vogliono, donne, ragazzi, vecchi, fanciulle”. É um barbeiro “di qualitá”, como “nunca antes” se viu, em Sevilha, naturalmente. Para não dizer que só falei de flores – e que flores! – o papel do príncipe Igor cai como uma luva em FHC. Se ele conseguirá voltar gloriosamente ao seu reino em Poltiole a História não se pronunciou. Esse galope matinal seria incompleto sem uma referência ao 'Va pensiero' – o coro dos escravos judeus da ópera Nabuco, vinheta musical de um importante partido político bororo (por que tem de ser sempre tupiniquim?) cujo presi... chega!

Encurtando, temos de admirar ópera. Sua opinião, caro leitor, é muito importante, diria meu serviço de telemarketing, se eu dispusesse de um. Fato curioso. Toda vez que vejo ópera, penso num bando de chefs italianos trocando aos berros receitas de risoto. Para não me comprometer (mais), direi que a frase pertence a Onassis, cuja falta de cultura não foi suficiente para que se Callas.

Crônica do livro “O desmonte de Vênus”, Ed. Totalidade.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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