Há um ditado que diz: "vivendo e aprendendo". Depois de muitos anos de estadia no planeta sou obrigado a dizer que há muita sabedoria em tais palavras. Minha avó sempre me aconselhava. Nunca tenha carros Nash e amantes argentinas. Você acabará ficando na mão. Na época, no verdor dos sete anos eu não entendia de carros e nem tinha idéia do que seria uma amante, sabia apenas que Argentina era o nome do lugar onde nasceu tio Borizon, que bebia gin como um inglês. Ele sempre achou que era inglês. Voltando à minha avó, ela também costumava pedir para eu ter cuidado com as preposições, uma má colocação pode causar confusão e após a palavra proferida não há remédio. Como dizia o comercial: "O tempo passa, o tempo voa...". É a pura verdade, nem me dei conta que lá se vão dois anos da invasão do Iraque. Parece que foi ontem. Os jornais dizem que cinqüenta e seis por cento dos americanos acreditam que ainda serão encontradas armas de destruição em massa. Dezessete por cento já viram discos voadores e cinco por cento viajaram num deles. Quatro por cento acham que Papai Noel existe e que Bush é a reencarnação de Poncio Pilatus. O que pensarão de Condoleezza Rice? Alguns meses antes das torres gêmeas, eu e minha mulher estávamos em Roma, caminhando pelo Trastevere à procura de um restaurante sardo que tínhamos conhecido em 1985. Acabamos encontrando. Estava igualzinho após tantos anos, um lugar acolhedor numa rua quase sem trânsito com mesas espalhadas por um amplo pátio, parte delas cobertas por parreiras. Eram seis e meia ou sete horas da tarde-noite, o sol estava presente anunciando que iria permanecer em cena por mais algumas horas. Pedimos água mineral e vinho branco, jantaríamos mais tarde. Havia mais duas mesas ocupadas, ambas no outro extremo do recinto. O garçom disse que só por volta das nove horas é que o movimento começaria de fato. Rapaz árabe, muito gentil. Assim que percebeu que éramos brasileiros começou a falar português com sotaque baiano. Ahmed era o seu nome. Tinha passado parte da infância em Salvador. Depois de algum tempo, mais ou menos meia garrafa de vinho, um ruído inconveniente anunciou a chegada de alguns automóveis Mercedes cheios de árabes vestidos à caráter. Juntaram cinco mesas perto de onde estávamos e pediram muita comida. Falavam alto e riam, deu para notar que era uma espécie de festa para um jovem gordinho de óculos, o único a vestir roupas ocidentais. Na verdade a presença nos incomodou, quebrou o encanto do lugar. Apesar disso resolvemos pedir o jantar, espaguete à moda da Sardenha. E para acompanhar, o melhor vinho da adega, era a nossa última noite em Roma e eu resolvi fazer uma extravagância. Quando o garçom abriu o vinho eu mal pude acreditar, que sabor, que aroma, que bouquet, certamente valia cada um dos dólares que iria custar. Nesse momento começou uma enorme confusão na mesa dos árabes, eu só entendia as palavras charmuta e harabichueba, palavrões que não traduzirei em nome da decência. Eram dirigidos para o gordinho que levava cascudos de todos os lados. Notei que Ahmed de olhos esbugalhados prestava a maior atenção em tudo. O grupo, assim como entrou, saiu fazendo barulho, xingando e batendo no pobre rapaz que eu imaginava ter feito alguma ofensa ao profeta Maomé. Com a partida da turba o silêncio voltou, só a comida é que começou a demorar. Por volta das nove horas eu já estava meio alto e pedi outro vinho, nesse momento o dono do restaurante caminhou até a nossa mesa com ar circunspecto. Pediu desculpas por não poder servir o prato que havíamos pedido, não tinha mais espaguete, o estoque desaparecera misteriosamente. Ao ligar para o fornecedor, que dispunha de um serviço de emergência, soube que lá também não havia mais macarrão. Toneladas evaporaram, sumiram. Pedi que sugerisse outra coisa, uma pizza ou algo assim. Ficamos de acordo em vitela e salada. Quando ele foi para outra mesa chamei Ahmed para saber o que tinha acontecido entre os patrícios. Ele disse que o rapaz dos cascudos era um gênio da ciência e havia inventado uma arma poderosíssima para o Iraque usar contra os americanos. Embora fosse craque em ciência era ruim em gramática. Trocou em por de. O Iraque encomendara uma arma de destruição em massa, o gênio construiu uma arma de destruição de massa, o que providencialmente nos salvou do terrível atentado que teria destruído Roma. Quando testaram a arma, exatamente onde estávamos, desapareceu o espaguete da cidade além de não ter sobrado nenhuma lasanha ou sequer uma pizza. Mas o pior ainda estava por vir, ao dar um gole no caríssimo vinho recém-aberto, não suportei e cuspi no chão, o que me valeu olhares de censura. Tubaína, o vinho tinha virado tubaína. Aquele turquinho era muito mais trapalhão do que parecia...
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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