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COLUNISTA
Alexandru Solomon
21/12/2013 - 15h12
21 de Dezembro
 
 

Com certeza, essa data pode passar despercebida para muitos. Não é o caso dos que aniversariam, ou que tem algo a festejar nesse dia: ter encontrado o verdadeiro amor, ter passado no vestibular, ter adquirido um novo tapete - debaixo do qual há sempre tanto para se esconder - ou ter finalmente encontrado a chave do carro. São fatos que podem ocorrer dia 21 de dezembro, marcando a data, ou em outro dia qualquer. Tudo acontece nesse nosso “reino animal” do qual usurpamos a coroa. Por coroa entendo, é bom que se diga, aquele adorno metálico usado por majestáticas criaturas - o diadema - e não aquela boazuda que habita as anedotas mais ou menos divertidas. Usurpar coroa é, potencialmente, um tema capaz de adquirir tamanho enciclopédico.

Não pretendo em tão diminuto espaço resumir a biografia de um indivíduo afetado, de maneira irremediável, por agudo nanismo moral. Refiro-me a Stalin. Posso dar apenas meu testemunho de ter sido enorme a lavagem cerebral aplicada na Romênia, em tudo que dizia respeito a esse “farol do pensamento marxista”, “pai das crianças do mundo”. Dotes sexuais à parte, é provável que a metáfora tenha algo a ver com o estranho acasalamento no qual o papel de fêmeas coube às nações subjugadas pelo “farol dos povos”, cujo nome era citado no hino nacional da União Soviética.
Stalin nasceu em Gori na Geórgia, dia 21 de dezembro de 1879, quarto filho de um casal pobre. Os três primeiros não sobreviveram, mas, caprichosamente, quis o destino que Iossif Vissarionovitch Djugashvilli sobrevivesse até 5 de março de 1953, dia de luto, durante o qual as rádios soviéticas e dos países satélites trocaram suas programações pela irradiação de músicas fúnebres. Descrever a aflição oficial demandaria um esforço muito superior à minha capacidade. Como imaginar que aquele ser maravilhoso pudesse ter deixado órfã a humanidade progressista?
Filho de sapateiro, ingressou, por mérito, no seminário teológico de Tiflis, sendo de lá expulso por causa das suas leituras proibidas. Segundo seus áulicos, ele estava se abeberando nas puras fontes do marxismo.
A seguir, filiou-se ao Partido Social Democrático Trabalhista do qual fazia parte Lênin. Quando o partido rachou ideologicamente, seguiu Lênin, junto com Zinoviev, Kamenev e Nadejda Krupskaia - futura esposa de Lênin. Essa facção recebeu o nome de Bolchevique. Os demais formaram o grupo Menchevique, no qual figurava, entre outros, Plehanov. Meus precários conhecimentos de russo levam-me a associar a palavra Bolchevique a “maior”, do russo Bolshoi-grande. Se non è vero... peço desculpas.
Depois de várias peripécias, pontuadas por diversas prisões, torna-se editor do jornal Pravda. Ironicamente, Pravda significa verdade em russo. Por décadas, representou a verdade única, à disposição de milhões.
Depois da Revolução russa, decorrida em dois tempos - o primeiro a derrubada do czar Nicolau II e estabelecimento de um governo provisório chefiado por Kerenski, e o segundo a derrubada de Kerenski pelos Bolcheviques, com a tomada do palácio de Inverno ao som das salvas de canhão do encouraçado Aurora (errou quem falou Potemkin), Lênin conclamou os operários a assumir as fábricas e os camponeses a pegar as terras dos latifundiários - ‘sounds familiar’ soa familiar? O slogan era “paz, terra, pão”.
Em reconhecimento pela sua participação, Stalin ascendeu ao posto de Comissário das nacionalidades: ucraniana, bielo-russa, georgiana etc. Novos estados nasceram, inicialmente brindados com a autodeterminação. Foi um sonho que se desmanchou rapidamente. A autodeterminação valeria para quem aderisse aos Bolcheviques. Por falta de alternativa, foi o que ocorreu.
A guerra civil irrompeu, e o exército branco, o dos “reaças”, foi derrotado pelo exército vermelho na batalha de Tsaritsin (depois Stalingrado, depois Volgogrado). Naquela época Stalin participou de reuniões com administradores locais numa balsa no rio Volga. Aqueles que não inspiravam confiança eram sumariamente fuzilados e atirados ao rio. Simples assim.
A guerra civil arruinou o país, apesar de haver saído da primeira guerra Mundial através do tratado de Brest-Litovsk. Lênin lançou a Nova Política Econômica. As pequenas propriedades agrícolas voltam a ser permitidas, sendo geridas por proprietários - os Kulaks - que aos poucos aumentam suas posses; pequenas fábricas são privatizadas, sendo devolvidas aos antigos proprietários.
Em 1918 Lênin sofre um atentado, levando dois tiros de Dora Kaplan. Sua saúde declina e a preocupação com a designação do sucessor aumenta. Os competidores são afastados, sobrando Stalin. A polícia secreta “Tcheca” comandada por Dzerzhinsky se desdobra em ações que não levavam muito em conta os chamados “direitos humanos”. Os detalhes da luta nos bastidores fogem ao escopo dessa crônica. Contrariando um testamento de Lênin - que até pedira ajuda a Trotsky para “segurar o rojão” o então Secretário Geral do partido assume o poder. (Trata-se de Stalin, para quem ainda duvida). Para Lênin, conservou-se, para uso nos manuais escolares, o epíteto “Grande”. O grande Lênin...
Logo depois, Stalin volta-se contra os kulaks, confiscando as propriedades, no mais puro estilo MST, promovendo a criação de Kolkhoses e Sovhozes - fazendas coletivas. Milhares de kulaks foram executados e milhões foram deportados na Sibéria, junto com outros “reacionários”, leia-se: inimigos do regime.
Foram lançados ambiciosos planos quinquenais, com metas audazes, cujo cumprimento iria garantir a defesa da União Soviética das ameaças do mundo capitalista. Nasceu o culto aos cumpridores de metas, o Stakhanovismo - preito à personalidade de um mineiro de Dombass, Stakhanov, é claro. Ser stakhanovista era uma honra. A moda pegou nos países satélites. Na Romênia o torneiro Nicolae Vasu - recompensado com a medalha de Herói do trabalho socialista - notabilizou-se por estar décadas adiantado em relação ao plano de produção. Havia heróis de ambos os sexos. Uma conhecida stakhanovista romena chamava-se Amália Sarközi! (sic).
Em contrapartida - trágica contrapartida - reservava-se um destino inglório aos que não cumpriam as metas. De acordo com a gravidade eram fuzilados, ou, generosamente, enviados à Sibéria.
Era comum o bordão: Iremos realizar o plano qüinqüenal em quatro anos. Seria a afirmação do “verdadeiro homem soviético”, não a confissão de um erro do planejamento centralizado. Os “verdadeiros homens soviéticos” fariam com que a União Soviética ultrapassasse os Estados Unidos. Havia até data marcada, sistematicamente adiada. E para se chegar ao estágio de verdadeiro homem soviético, era fundamental começar como verdadeira criança soviética - um pioneiro. Paradigma conhecido foi Pavlik Morozov - há quem diga que se tratava de invenção da NKVD, antecessora da KGB. O que fez essa criança, condecorada como Herói da União Soviética a título póstumo? Delatou seus pais. O fato ou o mito foi um incentivo à delação. Os pioneiros cantavam hinos de glória a Stalin. Suas gravatas eram vermelhas por terem se embebido (simbolicamente) no sangue vertido pelos heróis da classe operária. Como curiosidade a gravata dos pioneiros da Alemanha Oriental era azul. Noblesse oblige?
No meio da arrancada, alguns incômodos companheiros de viagem, responsáveis pela ascensão do “paizinho” foram descartados: Bukharin, Zinoviev, Kamenev, Bukharin e Yagoda foram executados. Trotsky morreu no México, convenientemente assassinado, por uma agente stalinista - Ramón Mercader; chefes do Exército Vermelho, juntamente com uns 30.000 oficiais e soldados pereceram, vítimas do expurgo. A lista é muito longa e enumerar figurões caídos em desgraça seria pouco producente. Logo depois, estamos em 1937, Béria é nomeado chefe da polícia secreta e o rol das vítimas aumenta. Até que chegou a vez de Béria, depois do desaparecimento de Stalin. Dizem que Béria chamava Stalin de “Lênin do Caucaso”, puxar o saco fazia parte do jogo. Os discursos oficiais e os manuais escolares enalteciam os grandes pensadores: Marx, Engels, Lênin e Stalin.
A Segunda Guerra Mundial estava se aproximando. Durante a guerra civil espanhola Stalin enviou conselheiros e armas para auxiliar a Frente Popular. Para tentar adiar o conflito com a Alemanha, que já se mostrava inevitável, Stalin articulou discussões entre Molotov e von Ribbentropp. Assim mesmo, a guerra eclodiu. Um dos momentos épicos foi a derrota que o exército alemão chefiado por von Paulus sofreu em Stalingrado. Naturalmente, os méritos pela derrota do Reich foi atribuída a Stalin, pelo menos nos manuais de História romenos - disso tenho certeza.
Dissipada a fumaça, nasceu a Cortina de ferro - metáfora que devemos a Churchill. Do lado errado da mesma estava a Romênia, em conseqüência da conferência de Yalta. Durante essa conferência Stalin prometeu a Churchill e Roosevelt a realização de eleições livres nos países libertados do jugo invasor alemão. Prometeu... Como dizem os franceses: promettre c´est noble, tenir c´est bourgeois - prometer é nobre, cumprir é burguês. Sem menor sombra de dúvida, Stalin de burguês não tinha nada.
Seguiram-se anos, durante os quais o culto da personalidade de Stalin atingiu níveis que beiravam a histeria. Na Romênia - país que me viu nascer - a cidade de Brasov foi rebatizada de Cidade de Stalin. Abundavam avenidas, parques, estátuas do “melhor amigo das crianças”. Também houve cidades Stalin na Hungria, Albânia, Ucrãnia, Polônia etc. A enumeração seria tediosa...
Durante os desfiles de 7 de novembro comemorativos da “Grande revolução socialista de... outubro”, escandíamos: “Stalin e o povo russo nos trouxeram a liberdade”.
Três anos depois da morte de Stalin, no XX congresso do PCUS, Hruschov desmascarou os abusos do “culto da personalidade” o que levou a uma fúria demolidora de monumentos erigidos em honra ao “paizinho”, bem como à remoção dos seus restos mortais do mausoléu da Praça Vermelha, sem falar nas cidades, parques, praças e avenidas que recuperaram o antigo nome.
Stalin se foi. Cabe à História julgá-lo. Cabe a todos manter viva a lembrança do que foi o terror por ele implantado, e que povoa uma ou outra mente totalitária, aqui e alhures.

Crônica do livro “A luta continua”, Ed. Letraviva.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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