Conversa (des)afinada
O debate acerca dos planos econômicos e suas consequências sobre poupadores (e por que só sobre os poupadores?) merece um tratamento lógico, sem o foguetório improdutivo da discurseira destinada a granjear popularidade. Um esquema do tipo ‘árvore de decisão’ seria um providencial fio de Ariadne em busca da saída desse labirinto. Primeira pergunta: Os planos econômicos – deixando de lado o fato de terem sido gestados em situações de desespero – feriram a Constituição? Vamos deixar de lado também o fato que o plano Bresser foi emitido antes de a Constituição de 88 ter sido promulgada. Não feriram. Então não há mais o que discutir. Próximo assunto, pois há centenas de processos a serem julgados. Feriram, sim. Então, vamos determinar quem foi prejudicado e quem se beneficiou. Houve prejudicados e beneficiados, sim ou não? Não houve. Caso encerrado. Houve, sim. Caberá recomposição dos valores? Sim ou não. Não. Vamos ao cinema. Sim, é preciso retroceder. Finalmente se houve prejuízos e lucros a quem caberá pagar a conta? Mal nenhum faria, caso a discussão siga esse caminho, começar a falar em números. Como no quadro cômico do Jô Soares – nos tempos em que ele era mais engraçado do que hoje –, imitando o então ministro Delfim: “Meu negócio são números”. Parece simplória a decisão de pendurar a conta no pescoço dos bancos que nada mais fizeram a não ser respeitar decisões vindas “de cima”. Seria apenas um subproduto da cultura que demoniza as instituições financeiras. Continuemos. De quanto estamos falando, afinal? É preciso definir, ou basta bater o martelo e contar mais tarde mortos e feridos? Iniciar-se-ia uma discussão, para a qual, com todo o respeito, os magistrados da mais alta corte, não possuem competência técnica. Podem decidir se os planos feriram ou não a Constituição, mas determinar valores é outro departamento. No entanto terão que fixar com precisão, para operacionalizar essa eventual sentença, porque lavar as mãos não parece muito sério. Ficarão se debatendo entre pareceres que afirmam que os bancos ganharam em valores de hoje estratosféricos 230 bilhões de reais e outros que afirmam que não houve ganho algum. E esses pareceres não são fruto de pura “achologia”, embora as diferenças sejam escandalosamente grandes e não estejam desprovidos de viés ideológico e/ou erros mais ou menos involuntários. Frases como a do eminente ministro Lewandowski, que aparentemente está dotado da resposta às perguntas anteriores: “Caberá aos bancos, que já ganharam muito dinheiro”, tipificam prejulgamento e desmoralizam o processo. Ser dono de tal convicção antes de uma profunda análise, no mínimo o tornaria impedido.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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