Conversa (des)afinada
É impressionante a vocação para comentarista político que nos aflige. O mais engraçado é que (quase) tudo já foi dito de forma, pelo menos tão percuciente, há muito tempo. Pensando nisso, reuni dois personagens que não foram contemporâneos, mas cujo ácido espírito de observação os mantém de certa maneira unidos, além de permanentemente atuais. Georges Clemenceau foi (1841-1929) foi um estadista, jornalista e médico francês. Autor de tiradas brilhantes e irreverentes, a ele se deve a queda de seis governos e a demissão de um presidente da república. Por essa razão ganhou o apelido “O tigre”. Mal sabia o quanto seus bordões se aplicam nessas plagas, e alhures. Alguns exemplos: “A França é um país extremamente fértil: plantam-se funcionários públicos e nascem impostos”. – Só a França, é claro, desfrutava desse privilégio. Alguns dos seus dizeres são recados diretos aos nossos políticos. Àqueles que “incham a máquina administrativa” por achar o Estado raquítico: “Os funcionários públicos (sempre na França, certo?) são os maridos ideais; Chegam em casa descansados e já leram o jornal”. Não é o caso de entrar na polêmica do Estado mínimo, mesmo se por aqui já se fala tanto na necessidade de se ter um estado forte. Aos frequentadores da altura dos muros de onde não se atrevem a descer, àqueles pássaros de bico avantajado: “É preciso saber o que se quer, uma vez sabido, é preciso ter coragem de dizê-lo, uma vez dito, é preciso ter energia para fazê-lo”. Definir de uma vez por todas. Parece simples... Não é preciso concordar com todas as afirmações, mas quem se atreve a rejeitar de pronto essa frase? “A vida me ensinou que há duas coisas que podemos dispensar: a Presidência da República e a próstata”. No máximo, haveremos de admitir que há um certo exagero, a próstata não é inútil, já a sua hiperplasia... As campanhas eleitorais mereciam sarcasmos. (Estamos, nunca é demais lembrar, falando da França.) “Nunca se mente tanto quanto antes das eleições, durante a guerra e depois da caça”. Poderia ter dito “depois de uma pescaria” se estivesse na presença de um Ministro da Pesca. Para minar um pouco as ambições políticas, “O Tigre” disse: “Em política, sucedemos a imbecis e somos substituídos por incapazes.”. É uma faca de dois gumes, melhor não utilizá-la, ou se optar por empregá-la, que seja com extremo cuidado. A chance de ser processado por injúria, difamação ou... revelação de segredos de Estado é enorme. Como se previsse a situação em algumas democracias, paparicadas pela nossa diplomacia, ele dizia: “Uma ditadura é o regime no qual não é preciso ficar a noite inteira pregado no rádio (sorry, era o que havia na época) para saber o resultado das eleições.” Muito antes de se falar em “herança maldita”, Clemenceau dizia: “Todos podem cometer erros e imputá-los a outros: isso é fazer política”. É preciso reconhecer que o passar dos anos não foi em vão. O termo “herança maldita”, especialmente quando utilizado por herdeiros desastrados, pode ser equiparado a uma indulgência papal, uma absolvição antecipada para falhas eventuais. Como aqui não há falhas visíveis, o termo entrou em desuso – por enquanto. Para os políticos sem moral – da França, porque aqui não os há – “A honra é como a virgindade, só serve uma vez”. Possivelmente, sua intenção era dizer: “Só se perde uma vez”, se bem que, basta renunciar ao mandato e voltar triunfalmente reeleito – nos braços do povo –, isso que é democracia! O conceito de democracia de Clemenceau era bem polêmico: “Democracia é o poder, dado aos piolhos, de comer leões”. Os piolhos agradecem! Com certeza, algumas tiradas precisam de um aggiornamento. Por exemplo, a famosíssima: “A guerra é um tema grave demais para ser confiado a militares” poderia ser adaptada de inúmeras maneiras, mas considerando os perfis de muitos escolhidos para “tocar” assuntos relevantes, é provável que surja a pergunta: “E a quem confiá-los?”, ou pior. Um salto no tempo nos leva a Coluche (1944-1986), um cômico que em determinado momento chegou a ser cogitado para candidato à Presidência da França. Ah, esses franceses! Segundo Coluche, o mais difícil para um político é ter suficiente memória para se lembrar do que não deve dizer. É possível acrescentar que a memória deve ser suficiente para não cair em contradição. É imprescindível arrumar direito a papelada – ensina Coluche – para que não se torne público, antes do tempo, o que se pretende fazer. Se der zebra, alegar total desconhecimento – afinal tratava-se apenas de um plano de governo. Diante de eventual repercussão negativa, definir um aspone qualquer como responsável pelo erro e demiti-lo imediatamente é a solução. Grande Coluche! Mesmo sem jamais ter ouvido falar no PNDH3 ele dizia: “As ditaduras sabiam fazer-vos falar, os políticos sabem como calar-vos” – tudo em nome da liberdade de expressão e da regulamentação da mídia que precisa ser “orientada, fiscalizada e controlada”, ou numa só palavra: democratizada. Dele também essa outra pérola – aplicável somente na França, evidentemente. “Meu pai era funcionário público, minha mãe tampouco trabalhava”. Para os funcionários públicos – não todos, apenas com alto QI – quem indicou, na França, naturalmente: “Não se deve dormir de manhã no escritório sob pena de não ter nada que fazer de tarde”. Tudo muda e mesmo assim, independentemente da latitude, permanece válido. Vejam isso: “Quem se debruça sobre o passado corre o risco de cair no esquecimento” – Essa mania de comparar governos passados pode dar nisso? Veremos. Sem conhecer as propostas do PV, Coluche foi implacável. “Para que um ecologista seja eleito, basta que as árvores votem”. Na França, e somente lá, era possível retratar um político sendo entrevistado: “É só perguntar algo. Como não saberá responder, passa-se à pergunta seguinte”. Mesmo porque: “De todos que não têm nada a dizer, os mais agradáveis são aqueles que permanecem calados”. É a arte de permanecer calado, amparado por um direito constitucional. País estranho a França! Para não abusar da paciência do leitor, aí vai a definição do político – francês, desnecessário frisar: “É aquele que se apropria de algo que alguém não tenha ainda perdido”. Essa citação prescinde de comentários, salvo o fato de fazer as honrosas ressalvas de praxe.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
|