| Divulgação | | | | Capa do livro de Alexandru Solomon `A luta continua´, Ed. Letraviva. |
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Não atirem os políticos ao mar, eles sabem nadar. No zoológico, os animais são geralmente decentes, exceto os macacos. Sente-se que o homem não está longe — sentenciou o pensador Cioran. Esse vínculo, no quesito ignomínia, ao qual fazia referência Cioran, se faz notar na nossa vida pública, onde a decência parece viver seus últimos momentos, resistindo em um ou outro indivíduo ou comunidade, que juntos, formam um arquipélago precário, prestes a ser submergido, para usar uma expressão que vem de longe, num mar de lama. Ufá, que frase... Não é preciso ser um Narciso às avessas, prestes a cuspir na sua imagem para chegar a essa conclusão. Nunca antes neste país, a divisa comtiana “ordem e progresso” esteve tão próxima de se tornar uma curiosidade desprovida de significado. O “sucessão” – é “o” mesmo – de indivíduos medíocres, protagonizando uma sequência interminável de desmandos, que por fim acabam absolvidos por aparentes ataques de imperdoável amnésia coletiva, não parece ter fim. “Vedoinadas”, “Zuleidadas”, “Valdomiradas”, “Mensaladas indigestas” e outras “Cachoeiradas” sucedem-se ad nauseam. O comentário oficial é que tudo será devidamente investigado, mas na prática, nada disso ocorre de maneira célere ou, pelo menos, perceptível. Dificilmente as investigações serão conclusivas. Não existe culpado, há apenas “supostos culpados”, logo não há punição, salvo raras exceções, portanto, vamos à praia aos domingos, ou até às sextas, dependendo do Estado. Aparentemente, talvez por falta de uma definição clara, não existe pecado do lado de baixo do equador; trata-se apenas de maquinações de uma elite inconformada sem motivo com “isso que, agora, está aqui”. Uma imprensa vendida estaria fazendo o possível para infernizar a vida de abnegados eleitos pelo povo e seus cúmplices, quis dizer aliados, que só não fazem mais (ainda bem!) por ter que reagir às aleivosias de uma oposição insubmissa. Será? Salvo os portadores de antolhos ideológicos ou de consciências alugadas, alguém aceita essa patranha? “Mas o que ocorre agora sempre aconteceu, caixa dois é algo mais antigo do que andar pra frente, o valerioduto já foi inaugurado na gestão passada, logo faz parte da herança maldita” retrucam, à guisa de defesa, os “aloprados” flagrados, as falsas vestais, os pudibundos de araque. E arrematam: “Vocês” fizeram igual. Melhor do que discorrer a respeito da desproporção entre “malfeitos” presentes e “deslizes” passados, é preferível dizer que não faz sentido essa divisão entre “nós” e “vocês”. A indignação é apartidária, assim como a deterioração dos padrões éticos não é privilégio exclusivo de um partido ou de uma coalizão. Trata-se de uma pandemia mundial, mas sua manifestação, ultimamente, extrapola todos os limites, cá, em Pindorama. O misto de incompetência que se manifesta nos órgãos comprometidos pela política da entrega ao saque, dentro dos padrões de outorga em regime de porteira fechada a bem da governabilidade, associado à ausência de escrúpulos, que somente a certeza da impunidade pode justificar, não deixa alternativa, a não ser a indignação de “tanto ver triunfar as nulidades”. Pior ainda, chega-se a descrer das virtudes da democracia representativa, atitude que pode levar a uma verdadeira tragédia. A essa altura, já não importa mais haver provas acachapantes contra esse ou aquele homem público. Ele negará até a morte, tentará impugnar as provas e, caso não haja saída, contará com a morosidade de um Judiciário lento – aparentemente, por ser a justiça cega. Insurgir-se contra o Poder Judiciário e sua aparente anomia não é uma prática saudável. Preservar o tripé de Montesquieu ainda é a solução. Trocadilhos, supostamente engraçados, fazendo menção a um poder Juridículo são totalmente contraproducentes. Para os exaltados, recomenda-se com urgência uma providencial “frasectomia”. Por pior que seja o crime, “não há causa indigna de defesa” na opinião de Ruy Barbosa. No entanto, farta distribuição de narizes de palhaço — mesmo sem terem sido necessariamente superfaturados — remove, na prática, qualquer esperança de sair do atoleiro. Mesmo assim, é preciso acreditar. Dum spiro, spero — enquanto respirar, tenho fé. “Promessa é dúvida”, se me permitem. Se os ventos favoráveis da economia mundial conseguiram até bem pouco tempo, jogar poeira nos olhos do distinto público — it´s the economy, stupid, é a economia, bobão, frase lançada pelo assessor de Clinton, James Carville, nada justifica assistir bovinamente — num ambiente econômico menos favorável, desfavorável até —, ao contínuo processo de degradação que, longe de se atenuar, parece oferecer no relaxogozismo ao qual somos intimados a participar, a única saída desse imenso lodaçal. Todos são inocentes até prova em contrário, mas nem todos são ingênuos a ponto de presenciar, inertes, a comemoração, com direito a top-top-top e gargalhadas, daqueles que confundem uma tragédia com um episódio de um inexistente terceiro turno. Talvez não saibamos votar, mas aprenderemos, antes que seja tarde. Em qualquer país minimamente civilizado, nenhum movimento poderá dispensar um aparato jornalístico, já dizia Lênin. Então, ao invés de quebrar o termômetro que acusa a febre, antes de rotular de reacionários aos que se insurgem contra a podridão, a incompetência, a ineficácia e a omissão, é de todo desejável que a logorréia oficial e suas siglas maravilhosas seja substituída por uma postura responsável, mesmo que isso implique em menos aplausos de platéias domesticadas. “A verdade está em marcha, nada a deterá”. Não é preciso ser Zola, para acreditar nisso. Crônica do livro “A luta continua”, Ed. Letraviva.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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