A irmã só sabia pregar-lhe peças. Precisava dar um telefonema urgente e não conseguia fazê-lo a partir daquele mudinho. Olhava desolado para aqueles restos “tecnologicamente corretos”. O telefone espatifado tocou sem avisar. Feito um autômato, atendeu. – Pronto. – Bom dia. O senhor atendeu uma chamada a cobrar; para continuar, introduza um diamante. Se o fizer estará concorrendo a um secador de cabelos. A Companhia agradece sua preferência. – Não preciso de secador de cabelos. Sou careca. – Estar concorrendo é apenas o primeiro passo. Ganhar é outra coisa. Introduza o diamante. – Mas introduzir onde? O telefone está quebrado! – Então procure o nosso setor de consertos. – Mas eu já liguei para o setor de consertos. Disseram que entrariam em contato. – Pois então, estou ligando do setor de consertos. Introduza um diamante para continuar. Não aceitamos rubis. – Deve haver uma confusão. Não tenho diamante algum. – Na nossa Companhia não há confusões. Sem diamante, a ligação cairá dentro de meia-hora. – E por que usa maiúsculas para designar sua empresa? – E por que não? Além disso, essa é uma norma interna. O senhor cometeu uma indiscrição. Como sabe que usei maiúsculas? – Foi apenas um palpite. Gostaria que consertassem o meu telefone. – Qual é o problema? – A minha irmã o quebrou. – Ela o quebrou dentro da residência ou fora? Se for dentro, trata-se de um problema doméstico, fora de nossa alçada; se for fora, fica dentro de nossa alçada. Entendeu? Fora, tá dentro e dentro, tá fora. – Ela o jogou pela janela na calçada e eu o trouxe para dentro de casa. Fiquei com pena. – Então o problema ocorreu fora da residência? – Pode-se dizer que sim. Tenho certeza que sim. – Qual o nome de sua irmã? – Isso é importante? – Preciso preencher o formulário. Estou procurando o campo para “parentes próximos”. Não estou achando. Terei de ligar novamente para o senhor. – Esqueça esse campo, continue. – Não posso. Já abri a ocorrência e o senhor me deu uma informação, que não consigo classificar. Consultarei minha supervisora. Essa informação pode ser importante para a Companhia. A Companhia agradece sua preferência. Voltaremos a contatá-lo. Será aplicada a tarifa de re-chamada. – Não, não desligue. – Desculpe, tenho instruções precisas. – Quero falar com a supervisora. – Ela não veio trabalhar hoje. – Mas a senhora disse que precisaria tirar a dúvida com ela. – Perfeitamente. Perguntarei assim que ela voltar. Ela está de férias no momento. – Está certo, mas, na ausência dela, alguém a substitui, ou não? – Claro que alguém a substitui. Ninguém é insubstituível. Uma posição importante como essa nunca fica descoberta. – E quem a substitui? – Eu. – Entendo. Como irá proceder? – Tentarei fazer o melhor. Recapitulemos. Quando o fone foi atirado pela janela, sabe dizer se estava conectado na tomada? – Não sei. Eu cheguei depois que ela o jogou. – Como sabe que foi jogado pela janela? – Tive esse palpite, quando o encontrei na rua. – Mas poderia ter sido quebrado dentro de casa e atirado depois pela janela. O que sobrou dele pode ter sido colocado na calçada com cuidado. Concorda? – E que diferença faz? – Dentro, tá fora e fora, tá dentro. Lembra? – Como poderia me esquecer? Quero saber se vão resolver o meu problema. – Por enquanto estou preenchendo um formulário. Já preenchi os dados básicos. Estou com problemas para preencher o campo “observações”; na falta do campo “parentes próximos”, encaixarei em “observações”. Como vê, somos uma empresa moderna e flexível. Isso me lembra... – Deixe o campo em branco, por favor. Estamos perdendo tempo. – Este campo nunca pode ficar em branco. Demonstraria falta de interesse do funcionário. A Companhia tem por objetivo a maximização da satisfação do cliente. Isso só se consegue preenchendo o campo “observações”. Maximizar a satisfação do cliente nunca foi perda de tempo. Trabalhamos para proporcionar qualidade total. – Está maximizando minha raiva. – Desculpe, sigo um roteiro aprovado internamente. Não deixarei o campo em branco. – Então escreva o que quiser. Escreva uns versos de Pessoa. – Ele é assinante? – Ele é imortal. Pode ser que seja assinante também. – Pode me dar os dados dessa pessoa? – Não. Eu faltava muito às aulas. Serve Alberto Caeiro? – Terei de abrir outra ficha. O senhor me deixa numa situação embaraçosa. Tento fazer o máximo para resolver o seu problema e o senhor está dificultando. Já colocou o diamante? – Só se for numa broca dentária. – Então o senhor é dentista? No nosso banco de dados consta: pugilista. – Sou um pugilista filósofo sem telefone. – Nosso tempo está se esgotando. Sua reclamação estará sendo reprocessada. A Companhia lhe deseja um bom-dia e agradece sua preferência. – Preferiria poder dar uns telefonemas. Com este aparelho será impossível. – O senhor não possui outro telefone? – Tenho, sim. – Então por que não o está usando? – Não posso. – Por quê? – Minha irmã o está usando e ela fala muito. Nem pode imaginar o quanto. – Qual é o nome de sua irmã? É para colocar no campo “observações”. Além disso, por um diamante menor, podemos proporcionar-lhe uma extensão virtual... Desligou. Não havia motivo algum para ficar irritado. Afastou-se do aparelho cantarolando a marcha fúnebre. Do livro “Apetite Famélico”, melhor livro em português, Poesia Prosa e arti figurativi – Il Convivio – Itália.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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