Conversa (des)afinada
Cidades em polvorosa, manifestações, depredações, reações desproporcionais da polícia. Um clima de 1968, ou de tomada da Bastilha? Perguntem a um desses estudantes (viramos um país de estudiosos) por qual motivo estavam lá? Não era pelos 10 centavos de aumento – estudante paga meia, quando pega bus. Será que era pelo desperdício/roubo/superfaturamento com a construção dos elefantes brancos dedicados à prática do ludopédio? Ora, mas isso era sabido há mais de ano! Estamos diante de um movimento espontâneo, ou uma simples massa de manobra, bucha de canhão orientada por interesses outros. Quais? Cui prodest? Arrancar lixeiras nas ruas, quebrar vitrines agregava sentido àquelas manifestações? Mais importante – além de deixar claro o descontentamento, qual o resultado prático? Bus de graça? Isso já foi pensado na gestão Erundina. Mas tudo tem custo, já que nem almoço grátis há, exceto no dia da pendura. Vamos tirar dos ricos? Bonito. Mas façamos uma conta. O custo disso em São Paulo, por baixo, será de 10 bi por ano. Vamos tirar do IPTU dos ’ricos’. Será que há 500.000 imóveis considerados ’ricos’. Bem isso daria – por baixo, como disse – 20.000 R$ a mais por residência. É mole? Sem contar que isso só poderá acontecer no ano que vem. E até lá? De onde sai a bufunfa? Da Saúde que está esse espetáculo? Da Segurança que nos faz prisioneiros em nossas residências? Ah... sim... da educação... Bem, manifestar é um direito. O resultado outro que a melhora do condicionamento aeróbico dos participantes fica sob um belo ponto de interrogação. Sejamos otimistas. As instituições recuperarão sua credibilidade, como por um passe de mágica. Não há como disfarçar. Há uma enorme insatisfação, motivada por comichões no órgão sensível: o bolso. Uma degradação das ‘condições de contorno’ e não terrorismo econômico promovido pela máfia da informação. A inflação está aí. As estatísticas que serão publicadas em julho mostrarão que a inflação furou o teto de banda. A Coca cola sobe no supermercado, os tomates deixaram de ser o único vilão. O senhor otimismo – que atende pelo nome de Guido, ou Guidinho como é chamado pela nossa Dama de ferro continua desempenhando um papel cada vez mais ridículo. A credibilidade dos seus prognósticos derrete como a cotação do Real. Ou como o saldo comercial? Ou como o índice Bovespa? Não se trata de chamar alguém do banco de reservas. Enquanto prevalecerem truques contábeis, não haverá melhora. Em recente artigo, uma Delfinetada, de autoria insuspeita do antigo tsar (é tsar, não czar!) da nossa economia pede mais seriedade na política fiscal. Lances ridículos se sucedem como a recente ficha suja da Petrobras, que a impediria de importar e exportar. Um sopro de bom senso anulou essa aberração – uma constituição de dívida, contestada sem que se chegue a uma definição final. Sem contar que metade dessa dívida de 7 bi e do governo que possui o controle da empresa para o governo que através da Receita morde o próprio rabo. Segundo dizeres de nossa Presidenta, com a gestão petista o Brasil se encontrou. Esperemos que sim! Ou será que se encontrou numa confusão? Essas manifestações – diferentes das vaias da abertura da Copa das Confederações, geradas pela zelite que podia se dar ao luxo de pagar ingressos – parecem colocar em dúvida mais um discurso triunfalista. Por sorte, no litoral do patropi não há icebergs. Nosso Titanic pode navegar ao som da orquestra de incansáveis áulicos. Estar descontente consigo mesmo é fraqueza, estar satisfeito é loucura – escrevia Baltasar Gracián séculos atrás. A piada final, coroando esse “chienlit”, termo ressuscitado por De Gaulle é “a resposta virá nas urnas”. Que resposta e quais urnas e mais grave, quais candidatos?
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
|