“Mas é preciso ter manha É preciso ter graça É preciso ter sonho sempre Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania De ter fé na vida...“ A tarde bonita e ensolarada deve ter contribuído para que só nós dois tivéssemos comparecido a reunião. Estávamos indo embora quando o celular tocou e apareceu a mensagem: “Estou muito mal e não pude comparecer.” Meu amigo me explica que o filho dela está preso e que a juíza havia negado o pedido de benefício. Como ela mora perto, ele pensa em ir visitá-la e me disponho a acompanhá-lo. Depois, fica indeciso se deve ou não ir. Argumento que para uma pessoa abatida, em depressão, é pior ficar sozinho. Ela nos recebe com muita alegria, mas quando o abraça, cai em prantos. Depois se recompõe. Diz que voltou cansada e triste da penitenciária, mas de noite foi pior devido ao tiroteio entre quadrilhas disputando o ponto e a polícia na luta contra o tráfico no bairro. Quando as balas de borracha cessaram, na rua estava um adolescente todo ensangüentado de apanhar e a vizinhança precisou lavar o sangue no asfalto. Pergunto para ela se é verdade que a revista é mesmo vexatória. Ela já é avó, de cabelos grisalhos e me diz que não é tão vexatório como em muitas prisões porque a revista é individual. Mas tem que ficar nua, agachar-se e levantar as pernas para examinarem a vagina e o ânus, abrir boca e soltar cabelo. Diz que vai todo final de semana e que ainda agradece por ele estar preso, pois está vivo. Talvez estivesse morto se não estivesse na cadeia. Em sua fala fica marcada a frase: “O que dói é ver tantas crianças que cresceram próximas da gente morrerem tão cedo, trabalhando de aviãozinho.” Conta que antes todos respeitavam a frente da casa dela, mas que hoje, às vezes não agüenta o cheiro forte da droga. Um dia saiu e perguntou por que eles faziam isso, se não tinham um objetivo na vida. Um deles respondeu: “que objetivo eu vou ter se o meu pai e minha mãe estão na cadeia. Vendo droga para juntar dinheiro para tirar meus irmãos daqui. Mas o que eu queria mesmo era estudar e ter um emprego.” Conversamos muito, demos risada e aprendi muito. Foi uma tarde bastante proveitosa. Dá ânimo saber que há pessoas que mesmo na maior tristeza e atribulações, ainda tem um olhar para o outro e para a frente.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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