Era um velho sonho prestes a se materializar. A emoção não o deixara dormir. Mal chegado a Roma, teria que ver a famosa capela. Ele a conhecia, por ter estudado cada quadro, além da obra magnífica de Michelangelo. Agora, no táxi que o estava levando, preparava-se para o grande momento. Passava das onze e ele sabia que não teria muito tempo. Pouco importava. Não queria ver o museu do Vaticano, queria ver materializar-se à sua frente a jóia rara, objeto de horas de estudos e devaneios. Alheio à paisagem, observou distraidamente o Castelo Santangelo e, pouco depois, já estava na fila que flanqueava as muralhas dentro das quais iria encontrar o tesouro. A fila avançava célere. Poucos minutos depois, subia pela escadaria em caracol e, com o ingresso na mão, indiferente aos apelos da butique de souvenires, encaminhou-se ao encontro da revelação. Entre as opções de itinerários, diferenciados pela duração, escolheu o mais curto. Caminhava sem nenhuma emoção junto às obras expostas. Deteve-se por alguns instantes nas stanze di Raffaelo, para admirar a escola de Atenas, apenas o suficiente para admirar o retrato de Michelangelo e prosseguiu. Uma escada estreita e apinhada de gente levava à capela. Já ao entrar, ficou com a desagradável impressão de ser um intruso no meio de uma horda de bárbaros que se acotovelavam, acompanhando os guias. Uma voz metálica lembrava a cada minuto, em diversos idiomas, ser aquele um lugar de meditação, ordenando que não houvesse barulho, que se evitassem flashes etc. Engraçado. A principal fonte de ruído era justamente a voz metálica que sobrepujava o burburinho dos visitantes. Uma outra decepção o aguardava, já no interior da capela. As telas dos mestres, e ele as conhecia tão bem, estavam sendo restauradas, cobertas com lonas. Adeus, Ghirlandaio, Perugino, Pinturicchio, velhos e queridos mestres. Restava-lhe olhar para o teto, com a sensação de estar prestes a ter um torcicolo. Alguns, mais experientes, carregavam espelhos, com o auxílio dos quais admiravam o teto sem se cansar. Achou aquilo uma afronta ao mestre que, para pintar, teve que ficar durante anos deitado sobre andaimes. Finalmente, conseguiu sentar num banco, o que tornou menos penosa a contemplação. Estava tudo lá, tal qual os seus livros retratavam. Ao fundo, o imponente juízo final com o imperturbável Caronte, barqueiro sem destino, portador do desespero. Era só isso. Olhou mais uma vez em volta, com a certeza de nunca mais regressar. Sempre iria adorar aquela obra, mesmo que a visita nada lhe tivesse acrescentado. Decidiu comprar um álbum, na saída, lembrança de um momento que esperara ser mágico e que se revelara comum. A expectativa exagerada torpedeara o possível encantamento. Quando tivera uma sensação semelhante? Talvez naquela conquista amorosa que, após uma espera angustiada, se revelara, no fim, tão igual a tantas outras. Era chegada a hora da partida. O seu olhar, vagando sem rumo, encontrou o de uma mulher. A visão o colheu em cheio. Tentou aproximar-se da desconhecida mas, separados pela multidão, teve apenas tempo de vê-la afastando-se, no seu vestido estampado, na companhia de um homem. Antes de desaparecer, ela virou a cabeça como se fosse se despedir. E foi com aquela sensação de ruptura, sob o olhar de Caronte, que empreendeu o caminho da volta. A imagem fugaz daquele rosto avistado a distância sobrepujara a majestade da capela. Crônica do livro “Mãos Outonais”, Editora Totalidade.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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