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COLUNISTA
Alexandru Solomon
03/03/2013 - 19h38
Lucy e as eleições italianas
 
 
Conversa (des)afinada

Já que o noticiário brasileiro a deixou entediada – não que o Happy Birthday dos 10 aninhos do PT no poder não a tenha emocionado –, Lucy resolveu dedicar um olhar distraído às eleições italianas. Em primeiro lugar, uma caricatura chamou-lhe a atenção. Dois maltrapilhos conversando caminhando sobre uma ponte que domina o rio Tibre. Diz um: “aguardo a fumaça branca no Vaticano” e o outro: “como conseguirá vê-la em meio a essa neblina?”

Claro que Roma de hoje nada tem a ver com Londres e seu lendário fogo de décadas atrás. A neblina à qual se referia o analista improvisado era apenas uma figura de linguagem, na tentativa de ilustrar o resultado das confusas eleições italianas. Lucy fechou a porta do cubículo que lhe servia de sala de estudo, dormitório e refúgio espiritual e consultou a Internet. Um espetáculo de pânico nas bolsas chamou-lhe a atenção. Vermelho por tudo quanto é lado.

Aluna aplicada em desvendar os caprichos dos mercados, Lucy até entendia por qual motivo o índice de novos lançamentos imobiliários nos EUA, o índice de confiança de Philadelphia, ou o índice de desconfiança dos barbeiros do Bronx poderiam influenciar o humor dos investidores all over the world mas a Italia? Foi logo perguntar ao economista-chefe do CIL (Centro de Integração da Lucy, para quem acaba de chegar) e externou sua perplexidade. Encontrou-o prostrado diante de um cinzeiro repleto de tocos de Cohiba Behike, saboreando a sua enésima pastilha de Valium. À pergunta algo inocente relativa ao mar Vermelho cobrindo os mercados o brilhante economista – doravante chamado de B.E por motivos de economia de espaço – emitiu um gemido que nada tinha de humano. E sentenciou:

– Pode ser que o fim esteja próximo.

Em vão Lucy tentou tranquilizá-lo aludindo à famosa cena que recebeu o Oscar de efeitos especiais, na qual Charlton Heston consegue uma passagem através do mar Vermelho. Segundo B.E – grande admirador de Paul Krugman e de Guido Mantega não exatamente nessa ordem – houve, naquela particular conjuntura, interferência de fatores exógenos cuja nova intervenção, embora desejada, estava marcada por um gigantesco ponto de interrogação.

Fazendo apelo à paciência longamente treinada no convívio com os humanos, Lucy arriscou. “O problema italiano é tão sério?”

Foi a vez de B.E mostrar que a ingestão de Valium não fora inútil: “Qualquer abalo, no mais insignificante dos PIIGS, e estamos falando de um peso-pesado do grupo, da Itália, influi muito mais que o afastamento de um cardeal pedófilo! Sabe o que são os PIIGS?

– São os BRICS que não deram certo – retrucou Lucy. E, para falar verdade, estou cheia dessas siglas imbecis! Enfim, vamos tentar entender.

Uma breve leitura dos jornais foi o que bastou para que Lucy se inteirasse, ainda que de maneira superficial, da situação italiana. O resultado das eleições apresentara três forças. Um verdadeiro pasticcio! Pela ordem, os mais votados tinham sido Pier Luigi Bersani, ex-comunista, vencedor por focinho de Bunga Bunga Berlusconi e completando o pódio Beppe Grillo, um cômico, mais para Coluche do que para Tiririca. Como compor um governo? Tudo ficava num chiaroscuro à Caravaggio. No fundo sem chance para o almejado pódio o mentor da austeridade, Mario Monti. Com um comparecimento de 72% às urnas, o eleitorado italiano marcava sua revolta. Chega de austeridade, queremos Ferrari!

E daí? – indagou Lucy: Desde quando isso chega a ser problema quando segundo vozes maledicentes, na Itália troca-se de governo como se troca de camisa. Terminado o jogo, os participantes trocam de camisa, mandam lavar e tudo recomeça. Tá certo, o desemprego é alto, a dívida rola, mas não rola redondo... E Bunga Bunga não saiu vitorioso, pagou o Pato – Lucy se amarra num trocadilho – por achar que Angela Merkel tem bunda grande.

“Exatamente” – completou B.E. – e como a situação é confusa, todos parecem ter constatado que a situação apresenta-se em 50 tons de cinza. As ovelhas de Panurgo saíram vendendo.

Ruborizada, Lucy não insistiu, ela não tinha lido Rabelais.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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