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COLUNISTA
Alexandru Solomon
23/12/2012 - 15h33
Papai Noel
 
 

- Você?
- Você!
Ficou tão surpreso quanto uma paralela ao encontrar uma outra e não era para menos. Lá estava o Alberto divisando o Marcelo. Apesar da passagem dos anos, quase nada mudara.
Quase.
Alberto, prefeito do próspero município de Aldeia da Praia, mal podia acreditar. Lá estava o Marcelo, o melhor centroavante da história do colégio Padre Anchieta, de chute certeiro e drible desconcertante, além de ter sido o crânio da turma. Lá estava o amigão Marcelo, um pouco mais gordo, com o sorriso a iluminar o rosto de um sósia perfeito de um Marlon Brando um pouco mais magro.
Após estudar medicina na capital, Alberto voltara para a sua cidade e, passados alguns anos, descobriu ser a política a sua verdadeira paixão. Apesar da profusão de legendas partidárias, em Aldeia havia, de fato, apenas dois partidos: o “nós” e o “eles”. Filiou-se ao “nós” e, graças ao seu discurso vibrante, rapidamente, conseguiu ser eleito vereador. Daí a ser prefeito, foi apenas uma questão de tempo. Uma administração competente o levara a um segundo mandato, cujo início estava sendo festejado naquele exato momento.
O jardim do casarão - sede da prefeitura - estava apinhado de gente. Tapinhas nas costas, abraços efusivos e risadas abafadas pelo som de um conjunto de músicos amadores, senhor inconteste dos ouvidos dos vitoriosos.
Um toldo cobria um pequeno estrado em cima do qual tronava uma espécie de púlpito com um microfone pronto para o inevitável discurso.
Legal ter encontrado o Marcelo.
- Fale-me um pouco de você, caramba! Que surpresa! Nem acredito. Por onde andou esse tempo todo?
- Fiz GeVê, e fui controller em algumas empresas grandes. Depois... hesitou um pouco... viajei para... o exterior... e cá estou de volta.
- Bom filho a casa torna. Que mais? Rápido pô, tenho que dar atenção a toda essa gente e ainda tenho que fazer discurso. Casou?
- Casei e... separei faz... uns anos.
- Precisamos conversar. Pretende ficar por aqui?
- Vou ficar, sim. A casa dos meus pais me coube na partilha. Meu irmão ficou com a fazenda. Para falar a verdade, foi bom ter saído daqui e melhor ainda ter voltado.
- Vai gostar, tenho certeza. Bem, vou fazer a média com os meus eleitores. Putz, fiquei contente, mesmo. Só me fale uma coisa: continua aquele conquistador irresistível? Aqui não tem disso, viu?
- Que nada, sou um pacato senhor.
- Sei, sei. O pacato senhor está intimado a comparecer amanhã ao gabinete do Prefeito. Venha por volta das 5 da tarde. Tá?
E assim foi.
À conversa do dia seguinte seguiram-se muitas outras. Em pouco tempo, Marcelo voltou a conquistar a cidade. Conquistas diversas.
Não foi surpresa para ninguém a nomeação para o pomposo cargo de Secretário de Finanças. Na Câmara de Vereadores até os “eles” não se opuseram. Afinal, Marcelo abrira mão de toda e qualquer remuneração, ao menos por um período de 6 meses. Depois, poderiam voltar a discutir o assunto.
Começou a era do turbilhão de idéias.
Para reforçar as finanças municipais, Marcelo sugeriu que se atualizasse o cadastro dos logradouros. Uma empresa especializada colocou ordem num banco de dados desatualizado, permitindo uma cobrança de um IPTU compatível com o padrão das edificações.
Sem praticar nenhum abuso, a receita para o próximo ano iria mais que dobrar, permitindo ir além das promessas de campanha do Alberto.
- Alberto, precisamos dar uma modernizada nisso.
- O que tem em mente? Concordo que tem um cheiro de naftalina. Vale a pena melhorar o visual de tudo isso. A Prefeitura do século 21.
- Mas que visual que nada. Estou falando em equipamento não em mobiliário. Só porque apareceu uma grana vamos torrar?
- Sim, senhor secretário. Desculpe, senhor secretário.
- Estou falando sério.
- E eu então.
- Vamos ampliar o velho Anchieta, vai dar para aumentar os salários dos professores. O hospital poderá...
- Ó, você prepara o raio do orçamento. Ah, vamos parar com essa babaquice de você trabalhar de graça. No fim vão acabar achando que...
- Ninguém vai achar, porque não tem o que achar...
Não era bem assim. “Eles” bem que tentavam, só que para cada centavo gasto, o inatacável Marcelo tinha uma prestação de contas à prova de bala. Sempre alegre e sorridente, além de comprovadamente competente, ele se tornara um unanimidade. O prefeito estava fazendo seu sucessor, para a total frustração da oposição encurralada. Diga-se, de passagem, que o máximo que “eles” haviam conseguido, foi tentar uma aproximação tentando aliciar o craque. Por sua vez, o craque não parecia ter o menor interesse em mudar de time. De vez em quando, ele se refugiava na sua sala. A secretária, imposição do Alberto, (pára de querer fazer tudo sozinho!!!) levava-lhe, suspirando, um comprimido para dor de cabeça, às vezes até dois.
Qualquer assunto era uma oportunidade para o Marcelo impressionar os demais. Contudo, durante todos aqueles meses, jamais fizera alusão alguma ao seu passado.
O Natal estava chegando. Como de costume, a prefeitura iria organizar uma festa infantil. Só que desta vez, seria para “todas” as crianças do município. Desnecessário dizer de quem fora a sugestão e de quem foi o anúncio. Tudo calculado. Com uma listagem enorme com classificação por idade e sexo, Marcelo conseguira negociar um pacote com uma fábrica de brinquedos. Trabalho de primeira. Não haveria a menor possibilidade de um marmanjinho de 12 anos ganhar uma boneca ou uma menininha de 2 anos ganhar um caminhão de bombeiros. E não era só isso. Na entrada, todos receberiam um envelope no qual haveria um vale-brinde. Os mais sortudos receberiam um vale-cheque, possibilitando a compra de um brinquedo adicional. Para os demais, o papelzinho marcaria “sorvete”.
Na véspera da festa, Marcelo ficou trancado no seu escritório, com mais uma das suas já famosas dores de cabeça e lá permaneceu enclausurado até altas horas com a impressora emitindo os vales-brinde.
No dia seguinte, a fanfarra do colégio estava dando as boas-vindas a todos, ao som do “gingobel”.
Discurso emocionado e emocionante do prefeito.
Mais um discurso comovente do diretor do colégio, elogiando a competente administração “sem a qual nada disto teria sido possível”.
Outro, finalmente, vindo da oposição, louvando a transparência da administração, mas lembrando que o importante era o município e que, naquele momento, mais do que nunca, permaneceriam vigilantes para que tantas outras realizações não ficassem apenas nas promessas e sim... etc. etc. etc.
Teve início a distribuição de brinquedos. Pais emocionados apanhando as sacolas etiquetadas, e, numa urna aberta, o misterioso envelope, ouvindo atentamente a recomendação “só abram quando o Sr. Prefeito pedir”.
Finalmente o sinal.
Uma explosão indescritível de alegria, pessoas pulando, se abraçando, entusiasmo infinitamente superior ao que se poderia imaginar.
A explicação foi trazida pelas centenas de pessoas brandindo cheques, cujo valor fez empalidecer o Sr. Prefeito.
Na mesma tarde, Marcelo voltava a ser internado!...


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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