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COLUNISTA
Rui Grilo
17/12/2012 - 07h01
Eu me sinto um traficante
 
 

Este é o depoimento de uma mãe no documentário “Muito Além do Peso” que está em cartaz no Espaço Itaú de Cinema, em São Paulo.

Dirigido por Estela Renner, traz para a discussão uma verdadeira pandemia que atinge 33% da população: a obesidade infanto juvenil. “Pela primeira vez na história da raça humana, crianças apresentam sintomas de doenças de adultos: problemas de coração, respiração, depressão e diabetes tipo 2”

Para tratar da questão, apresenta depoimentos de especialistas não só do Brasil. Mas o mais interessante são as entrevistas com as crianças e seus pais, dos diferentes cantos do Brasil.

Uma das crianças diagnosticada com alto índice de colesterol diz que mata um refrigerante, um pacote de bolacha... Deduzimos que ela bebe, que ela come muito. Depois ela conserta e conclui que o desejo era matar quem produz esses produtos. Como este menino, várias crianças falam sobre a dificuldade de andar, de respirar e de agüentar as gozações devido ao excesso de peso.

O filme mostra que um pacote de biscoito recheado que a criança come enquanto assiste TV equivale a oito pãezinhos. Também mostra a quantidade exagerada de açúcar que existe nos sucos industrializados e a quantidade acumulada em uma semana, um mês e um ano.

Uma mãe, antiga funcionária de uma cadeia de fast food, conta que pediu demissão pois se sentia como uma traficante ao ver que as crianças eram atraídas por brinquedos, os quais estavam associados como brindes a alimentos altamente calóricos e prejudiciais à saúde das crianças. Esse problema ela sentiu na própria pele, ao ver sua filha sofrendo devido à obesidade.

Há uma cena em que mostra o condicionamento feito pela propaganda: em uma mesa com vários tipos de alimentos, as crianças escolhiam os industrializados e os mais calóricos (refrigerantes, batata frita, salgadinhos). Por outro lado, não conseguiam identificar alimentos naturais (berinjela, beterraba, pepino...)

Para garantir a sobrevivência os pais tem que trabalhar cada vez mais impedindo um maior tempo de convivência com a criança. Enquanto a média seja três horas escolares, a média de horas que a criança brasileira assiste TV é de cinco horas, estando exposta ao marketing da indústria alimentícia, fato este que um promotor público considera uma violência contra a criança.

A própria ANVISA perdeu a batalha na justiça ao tentar proibir a venda casada de alimentos com brinquedos. Não é legítimo jogar a culpa só nos pais porque o apelo ao consumo está em todo lugar e criar filhos requer cada vez mais habilidades e tempo.

No dia anterior (03/12/12) reunimos um razoável público no Encontro “Costurando a Rede - Ubatuba na Prevenção à Violência Doméstica e ao Consumo de Drogas” e, de repente, ao assistir ao filme vi a gravidade de uma situação que precisa ser levada em conta na elaboração da política pública de atendimento à criança e ao adolescente, problema este que não apareceu no diagnóstico de Ubatuba realizado pelo Projeto Ação Proteção e nem nas pautas do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Enquanto a indústria alimentícia tem lucros cada vez maiores, a população e o governo tem que arcar com gastos cada vez maiores na área da saúde para combater as conseqüências de uma má alimentação estimulada pela mídia.


Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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