Conversa (des)afinada
“Navalhada ou indignação seletiva?”
Antes de prosseguir, um pedido de desculpas pela falta de rigor. Guilherme de Ockham foi um padre franciscano que deixou um legado filosófico importante. Resumindo de maneira imprecisa seu pensamento, diríamos que se há múltiplas possibilidades de explicar um fenômeno, a melhor solução é optar pela mais simples. Transpondo para nossa ‘confusa’ quadra econômica, para explicar o que está acontecendo - nosso crescimento ‘simbólico’, equivalente a um decréscimo per capita - explicações é que não faltam. Desde a perversidade do tsunami monetário sempre invocado com ranger de dentes, passando pela crise da economia mundial na qual estamos tão pouco inseridos, sem esquecer a guerra comercial e outras tantas, sem ao menos dedicar um olhar mais atento para nosso próprio umbigo, estamos sendo submergidos por inúmeros discursos, cujo resultado desejado é fazer-nos chegar à máxima sartriana. “O inferno são os outros”. Não é o caso de desprezar a retórica oficial, já que os fatos alegados existem, mas é preciso manter um olhar atento para o nosso quintal. O crescimento de 0,6% no terceiro trimestre fez soar todos os alarmes do painel de bordo de nossa aeronave Brasil. O BC com “seu PIB” causou uma cegueira momentânea da tribo dos analistas. Logo, peçamos ao BC que refaça suas contas clama o ministro ao mesmo tempo em que afirma que a retomada está em marcha. Ocorre que há praticamente dois anos a economia patina. Podemos mandar cortar as cabeças dos portadores de más notícias, mas depois de tê-los ouvido, qual a serventia da decapitação? Ah, se houvesse um ‘controle social da mídia’, suspiram outros, olhando com ternura o que ocorre na vizinha argentina. Talvez seja precipitado afirmar que o modelo de crescimento via consumo dá sinais de fadiga. Nos Estados Unidos, o consumo das famílias é um dado fundamental. Há quem aponte a evolução insatisfatória do investimento. O professor Delfim acha que falta sintonia entre o setor público e o setor privado. Caso houvesse, o espírito animal do empresariado, abandonaria o zoológico e viria habitar entre nós. “Mourir pour des idées l´idée est excelente, moi jái failli mourir de ne l´avoir pas eu” (morrer por ideias, a ideia é excelente, eu quase morri por não tê-la tido), cantava George Brassens. Não é preciso morrer, basta tentar descobrir as causas ao invés de ficar obcecado pelos sintomas. Com o risco de tornar o texto enfadonho, vale a pena relembrar o conceito de graus de liberdade. As variáveis da economia não andam soltas. Mexeu aqui, provocou uma mudança ali. Mais chão é impossível. E, como os dirigentes aplicam uma quantidade de soluções, surgem os efeitos iatrogênicos - as consequências secundárias de uma terapia. Se é preciso de recursos (esqueçamos a competência) para investir, aumentemos a carga tributária. Ok ela já está em 35,31% do PIB (admirável precisão para quem não tem uma noção precisa nem do denominador nem do numerador da fração). Isso assusta o capital covarde que se retrai. Vamos acalmar o setor privado. Como? Desonerando-o. Daí, são escolhidos alguns setores e chovem bondades. Os demais? Bem, podem ir ao cinema. Um dos vilões é o custo-Brasil, no qual tronam em lugar de honra as tarifas de energia elétrica. Pronto. Sai uma Medida Provisória - a MP 579. Mas apesar de fazer até certo ponto sentido, pelo açodamento, mereceria ser chamada de Medida Precipitada, causa uma bela confusão. Os alarmistas falam em rasgadela de contratos, outros, na fragilidade das regras do jogo e os mais pachorrentos descobrem erros - alguns grosseiros. Então a prometida redução de 20% e alguns quebrados não poderá ocorrer, claro que por causa do PSDB. O inferno são... já disse isso. E mais uma vez são aplicados remédios tópicos, que muitas vezes ajudam tanto quanto uma atadura numa perna de pau. Nossa economia não tem nada a ver com Pistorius. Então, voltando ao bom padre do século XIV, seria bom identificar uma causa resistindo à tentação de discursos populistas. Sim, o Brasil evoluiu, sim houve progressos na erradicação da miséria, mas adotar um modelo geiseliano - eu sei o que é bom para o País, seguramente não substitui a penca de reformas pelas quais clamamos. A mão pesada do Estado não é tão invisível quanto pensaria um discípulo relapso de Adam Smith. Sacrificar uma peça para criar uma posição ganhadora funciona no xadrez. Mas se a peça for a Petrobras? Não há registro do Gambito Petrobras. Mas sobram discussões sobre a distribuição de royalties, conteúdo nacional, no mais puro espírito da antiga SEI. Nesses momentos mais bicudos é importante procurar soluções, mesmo se algumas - como dar ênfase à educação, surtirão efeitos num horizonte de longo prazo. Introduzir distorções, como brincar com o Fundo Soberano, recriar a conta - movimento, maquiar as contas do superávit primário, ao invés de confessar que manter um número mítico não é o mais importante, decididamente parecem ser produto do desespero. Pode parecer pernóstico querer dar ‘dicas’, mas é preciso ter uma estratégia melhor que tapar buracos. Aquela velha história de estratégia, visando um objetivo e tática, removendo obstáculos. Seria infinitamente mais produtivo do que dar lições aos outros. E menos ridículo.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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