De volta de NY, onde fui correr a maratona que não houve, fiquei preocupadíssimo. O noticiário do dia a dia não me fez falta, em compensação, passados uns 10 dias sem contato com as desgraças anunciadas diariamente, a sensação que se tem é bem mais aguda do que a soma dos desconfortos que se somam cotidianamente. Em suma, é isso. Tenho a nítida sensação de que o pessoal da cobertura perdeu o controle da ’coisa’. Está tudo desandando. Injeções diárias de desânimo, vindas de relatos da imprensa, criam uma espécie de insensibilidade; o leitor diz, Ah, tá e vai para a página de Esportes - é a história do sapo colocado numa panela aquecida a fogo lento. Depois de um tempo o sapo ferveu e o turista, de volta, fica apavorado. Na imprensa, nada mudou. Fazer contas continua complicado. O Estadão 15/11-2012 B4 informa A maior perda será da CHESF, de R$ 6,138 bi para R$ 3,936 bi. - Se parasse por aqui, tudo bem, não há como verificar, mas a trinca de repórteres continua, e especifica - cerca de 60%. Isso feriu minha sensibilidade para números, e peguei a calculadora: 1- 3.936/6.138 = 0,3587 ou seja, para ficar no "cerca": uns 36%. Agora, fica a dúvida. Qual dos 3 números está errado? A base de cálculo, o novo valor, ou a perda? Ou teriam sido os três? Qualquer um dos "dados" pode ser uma variável dependente... CHEGA. (Nos tempos de ITA, isso seria um ’bostejo’) Insisti nisso por uma boa razão. Keynes dizia: Mais vale estar vagamente certo do que rigorosamente errado. Daí, minha mente privilegiada me cutucou: Já escreveu isso, porra! (desculpe, vezes há em que este pobre marquês faz concessões à vulgaridade). Fui procurar e me ’achei’ no Google. Aspas (fiz um ou outro comentário hoje)
Mistérios da Economia (texto publicado em 22 de maio de 2010) Abandonando a sofisticação, as letras gregas e as derivadas parciais, chegamos a uma situação estranha: se antes a Economia parecia complicada, ao retirar a camada matemática, ela continua igualmente desafiadora. O que a torna aparentemente inacessível são os contínuos desmentidos àquilo que parecia verdade até a próxima esternutação, digo, espirro. Atravessamos uma crise, cujos reflexos sobre nossa economia ainda não estão claros e, por isso mesmo, seria bobagem querer definir. Os analistas, segundo uma definição maldosa, dividem-se em duas categorias: aqueles que não sabem e aqueles que não sabem que não sabem. A crueldade para por aqui. E não por falta de exemplos. Temos as profecias sem risco, do tipo: ’Um dia há de chover’. Vinda de um Nouriel Roubini, depois de realizada, confere ao autor uma aura de infalibilidade até o primeiro tropeço. Para evitar esse gênero de embaraço, os entendidos recomendam expressões de clareza discutível: ’O ambiente macroeconômico se mantém indefinido’, ’tendências conflitantes tornam a recuperação problemática’ ou, enfim, ’mantidas as atuais condições, justifica-se um otimismo moderado’. - Hoje se diz que a inflação se aproxima de forma não linear da meta, seja lá o que isso queira significar. Há também as ’bolas fora’: No auge da crise, a equipe do respeitado Morgan Stanley previu uma queda de 4,65% do PIB brasileiro em 2009. Não foi 4,6 ou 4,7. É possível até que, diante de um número do tipo 4,648632%, por algum resquício de respeito aos algarismos significativos, tenha sobrado apenas 4,65% para o anedotário. Aquele modelo - levando em consideração uma infinidade de variáveis: o peso da economia informal, a variação do poder de compra em Jericoacoara, a matriz de Leontieff da Tailândia adaptada à realidade brasileira etc. - cuspiu um número rigorosamente errado. Razão sobrava a Keynes quando afirmava ser preferível estar vagamente certo do que rigorosamente errado. No capítulo das ’bolas fora’ merece destaque nosso ministro da Fazenda Guido Mantega. (E mudou algo de lá para cá? Nem ao menos o ministro!) Ele pertence à categoria especial de vaticinador - torcedor. Achando, possivelmente, que suas profecias eram autorrealizáveis, produziu (e até hoje não parou) incansavelmente números que a realidade com incrível malevolência se encarregou de desmentir sistematicamente. Chamar Sua Excelência de Cassandra ao contrário, talvez não fosse adequado. Cassandra acertava tudo, mas ninguém acreditava, ao passo que Sua Excelência raramente acerta, mas isso não faz a menor diferença. (Apostar que uma das apostas de Sua Excelência seja vencedora é um ato temerário.) Ao fim e ao cabo, nosso PIB de 2009 encolheu 0,2% - até nova revisão - e, como no filme ’Nunca aos Domingos’, foram todos para a praia. Durante essa tempestade, tsunami ou marolinha - dependendo da definição que cada um desses termos passará a ter nos estudos futuros de Macroeconomia - ao substituir com vantagem, por sua maior plasticidade conceitos áridos, tais como, depressão ou recessão, não faltaram explicações para o relativamente bom desempenho de nossa economia. Além de se enaltecer as ações providenciais do NOSSO TIMONEIRO, o incentivo ao mercado interno, as injeções de crédito - não que outros países não tenham manuseado a seringa e aplicado soro na veia - uma explicação merece ser comentada para concluir esse texto enfadonho. Há uma quase-unanimidade para explicar que nossa sorte foi o nível das nossas reservas internacionais. Efetivamente, se no ano I d.L ( depois de Lula - para aqueles que não pescaram a sutileza) o nível de nossas reservas era inferior a 40 gigadólares (bilhões para ficar na mesmice), eis que no ano VII d.L. oscilou em torno de 200 gigadólares, e atualmente, estão em algo bem próximo a 240 bi.(e hoje, novembro de 2012, falar em 270 bi não é de todo errado). Não há dúvida possível quanto ao mérito desse escudo, já que em outras situações, a falta dele deu no que deu. Parte das reservas se deveu aos superávits da balança comercial. Para a outra parte, talvez seja necessária um pouco de irreverência. Existe o mecanismo do chamado ’carry-trade’, que consiste em tomar emprestado num país que pratique baixas taxas de juros e aplicar os recursos num país onde a taxa de juros é elevada e, pelo princípio universalmente aceito do ’é melhor ser rico e com saúde, do que pobre e doente’, apurar lucro. Aí intervém a irreverência pela qual o autor pede desculpas. Para conseguir um nível alto de reservas - se é esse o adequado, se deve ser metade ou o dobro, é uma questão a ser debatida - praticamos o ’carry- trade’ português que consiste em assumir uma dívida a taxas vizinhas à taxa chilique, arranjar reais, comprar dólares e aplicá-los no mercado de T-bills norte-americano, auferindo uma remuneração bem inferior. A pergunta lancinante é saber até onde devam crescer essas reservas, já que em paralelo ao acúmulo desse poderoso anteparo contra crises aumenta a dívida interna (além de proporcionar artifícios para os aficionados da contabilidade criativa). Há, e não são poucos, aqueles que sustentam que, quanto maiores as reservas, maior a blindagem da economia, algo como colocar um paraquedas numa motocicleta para aumentar-lhe a segurança. Fecha aspas. Pouco mudou. O Guia Luminoso emite seus eflúvios de sapiência, alternando-os com silêncios oportunos, quando assim lhe convêm. A aproximação do caos se dá, mas de forma não linear.
Um abraço, não sem antes afirmar que essa história de crônicas datadas é bobagem.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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