Conversa (des)afinada
Noticiário recente dá conta de que o valor em bolsa de algumas companhias abertas caiu uns 60 bilhões de reais. Coisa pouca, algo como quatro vezes mais que o nosso pujante Fundo Soberano - que, por sinal, por estar carregado de ações do BB e Petro levou uma bela pancada. Possivelmente, alguns se deliciarão com o fato de que “os especuladores tiveram um castigo merecido”. As coisas nunca são tão simples, a ponto de se enquadrarem em maniqueísmos de almanaque. No caso da “mão pesada” interferindo na Petrobras, vale a pena recordar que entre os “especuladores” estão trabalhadores que ali aplicaram parte do seu FGTS. Isso sem contar que não são eles os únicos tungados já que - para quem padece de uma amnésia patriótica - não faz muito tempo, a Petro foi capitalizada no que os áulicos chamaram de maior capitalização do mundo. (Verdade seja dita, a participação do controlador se resumiu em ceder bilhões de barris no terceiro subsolo do pré-sal.) Não bastasse isso, o setor do etanol está atravessando grave crise, uma vez que o álcool perdeu competitividade frente à gasolina “cipada”. Para os amadores do ‘longo prazo’ pode não ser uma tragédia, dependendo de quão longo esse prazo será. Cedo ou tarde, nossos luminares haverão de perceber uma obviedade: não existem compartimentos estanques na Economia. Nem vale a pena falar em vasos comunicantes, porque todos sabem disso... Fala-se em um possível reajuste de combustíveis, cujo impacto sobre a inflação é indiscutível, assim que vigorar o corte de tarifas de eletricidade, outro assunto dentro de um contexto que os mais exaltados chamam, com ou sem razão, de “ rasgadela de contratos” . No mínimo, é preciso admitir o caráter polêmico da MP 579. O voluntarismo no setor bancário, ou “gambito BB CEF” - vale uma metáfora enxadrística, por que falar só em futebol? - de acordo com o qual bancos oficiais desempenham um papel - apressadamente - chamado de camicaze por aqueles que desdenham o fato de que eles vão a luta levando na veia o soro do Tesouro, faz com que uma mudança salutar, se efetuada com suavidade, possa ter efeitos populistas maiores que os benefícios econômicos. Aquela história de poder levar o cavalo ao rio sem poder obrigá-lo a beber água que tanta indignação suscitou, pode não ser apenas uma metáfora sem sentido, face a um endividamento crescente das famílias que recentemente ascenderam ao status de classe média. E não se trata de afirmar que “eles - quem seriam esses “eles”? - não querem ver pobre andar de avião. A zelite não é tão perversa assim. Aos que dizem que nunca os banqueiros ganharam tanto talvez valesse a pena perguntar o que foi que aconteceu com essa meia-dúzia de Panamericanos e BVAs da vida. Há outras filustrias, como por exemplo as atividades do BNDES, alimentado por uma fonte que faz os puristas torcerem o nariz - azar deles, Pitanguy conserta -, afinal falamos de algo como 270 bilhões. Até os mais heterodoxos admitem a existência de um orçamento paralelo, cujo funcionamento se resumiria grosseiramente assim: o País se endivida, lançando papéis a custo SELiC, recursos são “injetados” no BNDES que os repassa a taxas amigas, geralmente a empresas que conseguiriam se virar de outra forma, ou a países “amigos”, financiando ou não empresas brasileiras, e para sair uma foto bonita, o BNDES paga (ou antecipa) dividendos, para que o superávit primário fique mais fotogênico . Não há aumento do endividamento líquido, já que a dívida tem sua contrapartida em créditos junto a esse mesmo BNDES. Então, vamos a la playa e esqueçamos o endividamento bruto! A cotação do nosso Real flutuante pode ser discutida. Privilegia os exportadores, não há dúvida, mas a que custo? Comprar dólares não significa ir à casa de câmbio mais próxima. E preciso emitir dívida, novamente a custo SELIC e acumular reservas que renderão bem menos. Isso tem custo mesmo se há quem ache que o pass-through - transferência aos preços (dos importados mais caros) não passa de uma lenda. Ach du lieber Augustin! Procurem no “iutubi!” É claro que todas essas manobras são efetuadas com as melhores intenções. Ninguém quer arruinar o País, todos - governo e oposição - querem crescimento, distribuição de renda, erradicação da miséria, inflação baixa etc. em meio à marolinha 2.0. O problema se resume a uma simples pergunta: Como? Como proceder para atingir metas, agradar a todos, garantir a governabilidade, a manutenção do poder - hegemônico ou nem tanto? A atração exercida por soluções populistas, embaladas pelo mantra: os culpados são os outros é irresistível. Daí, algumas nuvens parecem despontar, em que pesem as fanfarrices e apostas irraciocinadas do Exmo. Sr. Ministro da Fazenda. Para os pessimistas, o exemplo argentino e o decantado efeito Orloff: eu sou você amanhã pode não parecer tão fora de propósito. No máximo, alterarão o efeito Orloff por: eu poderia ser você depois de amanhã. Mesmo esses pessimistas relutariam em falar em efeito Crisdilma. Com razão.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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