Conversa (des)afinada
Lucy decidiu aprender latim. Claro que não queria chegar a níveis extremamente elevados, mas, assim, apenas para “dar pro gasto”, como dizia um dos seus tutores. O começo foi excitante. Lucy leu a expressão “Qui nimium probat nihil probat”. Sem acesso ao Google, teve de recorrer ao professor Higgins, e este lhe explicou, algo enfarado, que aquele que prova muito acaba provando é nada. - Que interessante! - opinou Lucy - então acumular excesso de provas acaba enterrando o que desejava provar, o tal “quod erat demonstrandum” vai pra o vinagre? Isso se aplica ao tal Mensalão? Ou ficamos apenas com o “Quivi praesumitur bônus donec probitur malus”, ou seja qualquer um é presumido bom até provar que é mau. - Exato, vejo que percebeu. - Mas nesse caso, para provar a culpa, precisamos de provas. Muitas provas. Então como fica o tal nimium probat. - São necessárias provas, mas não um monte, para evitar que o público e os magistrados adormeçam. Basta a materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou participação. - Então vamos falar um pouco a respeito da economia deste país. “Ceteris paribus”, ou seja, mantendo constantes as demais condições, estamos preocupados com o quê? Vamos imaginar que apenas um dos elementos da nossa análise matinal esteja mudando, e vamos tentar entender o que parece preocupar esse pessoal que debaixo de uma fachada de otimismo passa seu tempo roendo as unhas de preocupação. De onde será que a Lucy tirou isso? - O ministro Manteiga, cujo nome se traduzido em italiano daria... deixa pra lá, ostenta sorrisos de propaganda de dentifrício e alardeia um desempenho maravilhoso para nossa economia, enfim a economia de vocês, que seria ainda melhor não fosse o desempenho da economia chinesa. Ele fala também num tsunami monetário, mas como não sei o que é tsunami, não comentarei essa parte. Estamos desesperados porque a China crescerá apenas algo como 7% este ano. OK. Primeiro é saudável. Crescer todo ano a 10% é uma impossibilidade, comparável à anedota do inventor do jogo de xadrez que pediu como recompensa um grão de trigo pela primeira casa, 2 pela segunda, 4 pela terceira e assim por diante. - Chega de anedotas! - Lucy percebeu que o interlocutor mantinha uma aparência severa. Já que o taciturno, sorumbático, macambúzio tutor parecia impermeável a uma abordagem jocosa, resolveu prosseguir num tom neutro. - Suponhamos que a China (com seus imensos estoques ociosos de moradias, carros etc.) cresça 7% este ano. Suponhamos ainda, para simplificar - Lucy já conhecia, ainda que superficialmente a teoria das matrizes insumo-produto de Leontieff, mas resolveu simplificar - que o único fornecedor estratégico da China sejamos nós. Imaginemos que a China seja um monopsônio e que nós não tenhamos outro destino para nossas exportações. Nada de mencionar nossas exportações para o Tadjiquistão, Bulgária e Namíbia por exemplo. Significa que se antes, em 2011, exportávamos 100 unidades de qualquer coisa, este ano exportaremos 107, com crescimento de 7% (mantendo nossa participação na importação chinesa, cela va sans dire), muito melhor que o crescimento do que esse nosso PIB que dificilmente crescerá 2% em 2012. - ONDE ESTÁ O DRAMA? - A exclamação de perplexidade de Lucy justifica a “caixa alta”. Se vamos crescer só aqueles míseros 2% - tomara - a causa deve ser outra. - Bem, Lucy, esse negócio de se lava sem dir não entendo porque não falo italiano, mas você mesma disse que eles estão com estoques enormes e que falta digerir tudo isso antes de retomar a marcha batida para frente e para o alto, acrescento eu, seu dedicado mestre. - Concordo, querido professor, mas supondo - não tenho receio de tornar-me redundante - que a economia chinesa não passe de uma matriz 1x1, na qual sejamos os únicos fornecedores, ao invés de produzir 110, produzirão 107. Então, quem exportou no ano anterior 100, agora exportará 107. Isso é tão ruim? - Lucy, você se esquece de que havendo quantidades demandadas menores, os preços caem e as 107 unidades exportadas renderão até menos que as 100 do exercício anterior. - Mas por que falar quantidades menores? Mutatis mutandis, em 2011 eram 100 e agora serão 107! Até concordo com o conceito elasticidade preço da demanda, mas isso ainda não me satisfaz. Ceteris paribus algo está errado. Mestre, poderia ter me derrubado se dissesse simplesmente que o crescimento das exportações não determina necessariamente o crescimento do PIB. 1 x 0 para mim. - Lucy, trouxe sua lição de Física? Não tenho tempo para suas divagações. Esses detalhes me cansam. De minimis non curat praetor. Isso sem contar que para discutir Economia, precisamos de letras gregas não de frases latinas! - Já que magister dixit, obedeço. Cá está a série de problemas resolvidos. - De qualquer maneira, saiba que nosso crescimento ainda há de causar inveja e posso trazer provas acachapantes. - Não será necessário. Depois que aprendi que Qui nimium probat nihil probat, estou sem vontade de examiná-las. - Tá bem, Lucy. Depois, para continuar em busca da verdade, convido você para tomarmos um bom vinho. In vino veritas. - Hã?
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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