Conversa (des)afinada
No mínimo estranha a entrevista do ex-presidente da Petrobras em O Estado. Disse, com a maior naturalidade, ao comentar uma possível perda de eficiência, que cinco anos atrás dispunha de apenas 2 sondas para grandes profundidades e que no fim deste ano serão 30. Dividida entre as tarefas de prospecção e exploração, a empresa enfrentou um problema. Um dia depois, no mesmo Estadão, José Formigli, o diretor de Exploração e Produção - a diretoria que fura e acha petróleo, cobiçada pelo estadista Severino Cavalcanti - revelou que até o fim de ano serão 40: “oito vezes mais”, afirmou o diretor. O fato de o ex-presidente ser ex há tão pouco tempo não explica essa divergência. Afinal, um oitavo de 40... Só Imelda Marcos sabia quantos pares de sapato possuía. É claro que sonda não é um item de prateleira, não basta assinar uma ordem de compra para tê-la na semana seguinte, mas terá sido a empresa suficientemente pró-ativa? Dispondo de 2 ou de, vá lá, 5 sondas, em nenhum momento os seguidores de Igor Ansoff - os planejadores estratégicos - não acharam nada anormal? As sondas destinadas a operar em águas ultra-profundas não são itens classe C de um almoxarifado de uma loja de ferragens. O triunfalismo do pré-sal e da auto-suficiência (?) em petróleo teria paralisado os "radares" dos planejadores? Estranho, pois todos têm presente na memória a cena emblemática do nosso ex-presidente esfregando a mão cheia de óleo no macacão da então presidente do Conselho de Administração da Petro. Seria sumamente injusto afirmar que a única variação positiva do PIB tenha resultado do faturamento de uma lavanderia terceirizada. A respeito do aumento de custo da refinaria Abreu e Lima de Pernambuco - algo como seis vezes - a desculpa de que a Petro não construía refinarias desde 1980 é ’bizarra’. Refinaria tampouco é item de prateleira, mas nada como consultar preços internacionais. Finalmente, mais uma afirmação ’bizarra’ "Então, se o preço dos combustíveis no Brasil ficarem (sic) acima do mercado por muito tempo e com a expectativa de que vão continuar altos (sic), as importações de outros players vão existir”. Perfeito! No entanto a situação no Brasil é exatamente a oposta. Possivelmente a culpa, neste caso, seja do entrevistador. No fundo, a maldição do ‘eixo dos tempos’ parece perseguir a Petrobras, quer se trate do João Cândido, lançado com estardalhaço midiático e relançado dois anos mais tarde, ou das 33 primeiras sondas fabricadas no Brasil cujo início da entrega já não se dará em 2015.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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