Pode estar o dia mais lindo do mundo mas uma profunda angústia me invade quando vejo uma pessoa carregando uma carroça carregada de materiais recicláveis. É um absurdo que, em pleno século XXI, com toda a parafernália eletrônica existente, quando as crianças brincam com o computador, o homem se veja reduzido a um animal de carga. Por outro lado, o desperdício de matéria prima e o volume do lixo seria muito maior se não fosse a atividade dessas pessoas, ao transformarem em dinheiro necessário ao sustento o que os outros jogam fora. Essa atividade, embora seja benéfica aos municípios, enfrenta a concorrência com as grandes empresas contratadas para recolher o lixo urbano porque ganham por tonelada e quanto mais lixo houver, maior o lucro. Como catam e tem que vender no próprio dia para ter o que comer, ficam reféns dos depósitos de sucata que lhes pagam uma ninharia. Para vender a um preço melhor e mais justo às grandes empresas recicladoras, é necessário ter maior quantidade e volume para compensar as despesas de transporte. Para juntar grandes quantidades é necessário espaço e qualquer terreno custa muito caro para quem vive da catação. A única solução para superar essas dificuldades é a participação em uma cooperativa, o que requer conhecimentos e habilidades de convivência, o que não é muito fácil para qualquer pessoa e mais difícil ainda para aqueles que vivem nas ruas em situação de degradação e de baixa autoestima. A aprovação recente do Plano Nacional de Resíduos Sólidos e a mobilização do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis trouxe condições mais favoráveis aos catadores reconhecendo a importância de sua ação para a preservação de matérias primas e para o meio ambiente tornando obrigatória a coleta seletiva e disponibilizando recursos para a implantação de propostas que garantam maior sustentabilidade e a inclusão dos catadores. Para isso foi necessário a elaboração de novas leis para superar o emaranhado jurídico e burocrático que dificultava a parceria entre o poder público e os catadores. No entanto, essa parceria só pode ser efetivada com grupos organizados em forma de cooperativa. Para isso, a Cooperativa Central de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis do Grande ABC - Coopcent ABC, localizada em Diadema, conseguiu um financiamento do Governo Federal, através do Ministério de Trabalho e Emprego em parceria com a Petrobras e as prefeituras da região para desenvolver o Projeto Fortalecimento dos Catadores e Catadoras e Ampliação da Coleta Seletiva do Grande ABC. A meta é atingir a formação de 600 catadores em cursos de 80 horas, nos quais são desenvolvidos conteúdos sobre coleta, triagem e venda de materiais; princípios, formação, estrutura e organização de cooperativas; relações humanas no trabalho. O curso está sendo montado por uma equipe composta de lideranças de catadores e educadores. Haverá várias turmas e cada uma será dirigida por um catador e um educador. A condição para a formação de cada turma é que as prefeituras disponibilizem um galpão onde os trabalhadores farão a triagem abrigados do sol e da chuva e com banheiros. A primeira turma começou no dia 07/08 na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de Diadema. Em seguida foi feito um trabalho de campo na unidade de reciclagem da Vila Popular, onde pudemos acompanhar as várias etapas da triagem. O local é bem localizado, bem ventilado e limpo. Todos trabalham uniformizados e com equipamentos de proteção (luvas, botas, aventais). No local há um pequeno escritório com computadores, dois banheiros e uma pequena cozinha. As condições satisfatórias de trabalho e de rendimento são animadoras e permitem sentir esperança em condições melhores de vida. Apesar da dificuldade devido à distância, estou participando dessa experiência mais para aprender e ver o que podemos fazer aqui em Ubatuba.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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