Conversa (des)afinada
A importância do setor automobilístico para o crescimento do PIB não precisa ser demonstrada, embora a visão de avenidas cada vez mais entupidas possa causar um impacto sobre o PIB, que vá além de ferir nossa retina. É natural que a indústria automobilística através dos seus representantes solicite maiores facilidades. O que causa estranheza é o fato de o governo cogitar unicamente na ampliação do crédito, quando é sabido que nossos automóveis estão entre os mais caros do planeta - para os importados foram colocadas barreiras, cuja existência pode não ser do agrado da OMC, mas à la guerre, comme à la guerre. Nosso glorioso “G.M” já declarou guerra aos loiros de olhos azuis. Não há novidade nenhuma ao afirmar que o endividamento das famílias está em patamar bem diverso que o verificado quando da ocorrência da marolinha 1.0. No entanto, numa manobra de intervencionismo puro, nossos dirigentes pretendem forçar os bancos oficiais a melhorarem as condições de financiamento, utilizando o binômio juros mais baixos e prazos mais esticados. É previsível um aumento da inadimplência nessas condições, afinal de que vale pagar a 55° parcela de um carro cujo valor caiu drasticamente, seja qual for o valor da prestação. Mais surpreendente é o projeto de criação de uma Empresa de Gestão de Ativos - Emgea - (O Estado 19/5 B2) verdadeira lixeira destinada a recolher os créditos podres, já existentes e em previsível alta, das instituições de crédito oficiais, isso com recursos do Tesouro, como se esse dinheiro caísse do céu, como se a esses créditos podres se pudesse associar algum valor significativo. Depois, virá a discurseira costumeira. “Os bancos privados (que não disporão dessa preciosa muleta) não colaboram”. Dar corda aos consumidores para se enforcarem não parece ser a melhor idéia. Para os amadores de metáforas, já que a imagem de levar um cavalo até o rio é diferente de obrigá-lo a beber, tenha causado o furor oficial, talvez parafrasear Mark Twain que (entre outros) disse que o banqueiro oferece um guarda-chuva quando faz sol e o nega quando chove, alterando-o para “o banqueiro oferece o guarda-chuva, quando espera poder recebê-lo de volta”, não suscite a mesma indignação (ou como dizem os compatriotas de Jerome Valcke: un caca nerveux).
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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