Tancredi, um personagem do “Leopardo”, famoso romance de Tomaso di Lampedusa, ao perceber as transformações sociais do final do século XIX, conclui: "se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude". Me lembro dessa idéia ao interromper um sonho em que alguém está preocupado com a construção de casas populares no centro da cidade, propondo a construção na periferia. Isso deixa claro a luta pela manutenção de privilégios e contra o direito da maioria. Deixa claro a falta de democracia na distribuição de espaços. E começo a lembrar do centro de São Paulo, com inúmeros prédios abandonados enquanto os conjuntos habitacionais são construídos cada vez mais longe exigindo gastos públicos cada vez maiores para a ampliação da infraestrutura urbana de saneamento e serviços, reduzindo cada vez mais as áreas verdes e agrícolas. Tal como na Capital, aqui em Ubatuba toda a população financia obras de infraestrutura urbana que valorizam os terrenos e construções do centro e estimulam a especulação imobiliária. Nas áreas com melhor infraestrutura encontramos muitas residências fechadas e terrenos abandonados que ocasionam muitos problemas, dificultando o controle da dengue, de outras pragas e epidemias. Enquanto isso, há falta de habitações adequadas e terrenos disponíveis para habitações populares levando à ocupação de áreas de risco em beiras de rios e nos morros, degradando o meio ambiente e com conseqüências desastrosas para todos. As obras de infraestrutura urbana são financiadas por todos; no entanto são executadas nas regiões onde residem pessoas de maior poder aquisitivo. Ao agregar valor aos terrenos e construções, enriquece uma minoria, excluindo a maioria que não tem poder aquisitivo, contrariando a função social da propriedade preconizada pelo Estatuto da Cidade. Todas as tentativas para reverter essa situação enfrentam grandes resistências por parte daqueles que não querem repartir o espaço com o povão. Mas como as elites dependem do voto da maioria para ocupar os espaços de poder onde se garantem seus privilégios em lei, ilude-o com promessas não cumpridas ou atendendo em parte as reivindicações como se fosse um favor e não um direito essencial para a sobrevivência.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
|