Conversa (des)afinada
Dois editoriais do O Estado (15/4) chegaram a surpreender este fiel leitor, se é que cinquenta anos caracterizam, se não fidelidade, ao menos, assiduidade. O governo é apresentado como uma entidade frágil - "emparedado" por multinacionais e indústrias locais. Ora, negociar é preciso e será inevitável atender pretensões dos Estados, caso se queira progredir. De fato o KW brasileiro é caríssimo, mas não se tornou assim da noite para o dia. "O governo emparedado" tem de discutir ICMS com os Estados e PIS/COFINS, internamente. É desagradável, cria atritos, pouco recomendáveis em ano eleitoral, mas o que fazer? C´est la vie. Ano sim, ano não, temos ’ano eleitoral’. O uso de um estilo que mistura o épico e o lírico desabrocha no texto: O desafio ao poder dos bancos. "Pela primeira vez... num regime plenamente democrático o governo enfrenta...". Parece um pouco o já clássico "nunca antes"?... Sem entrar em considerações sobre as dimensões do spread e seus componentes, é estranho encontrar num editorial de um jornal do porte de O Estado passagens que parecem extraídas de uma assembleia sindical. Ora, o governo enfrenta os tubarões, os patrões insensíveis que mascam seus charutões enquanto praticam agiotagem. Ocorre que o governo detém o poder. Se não "ousou desafiar" antes, quem sabe, não era do seu interesse, já que se locupleta com algo que tende a ser a parte do leão (com ou sem trocadilho) dos lucros. Talvez tenha faltado habilidade à Febraban na reunião da famosa terça-feira, a ponto de causar ataques de nervos. Tudo é possível. Mesmo indefeso e obedecendo às regras do jogo de um regime plenamente democrático, existe a possibilidade das "mexidas" promovidas pelo BC. Por acaso não foi o que ocorreu por ocasião dos “planos econômicos" - em pleno regime democrático - quando as correções de créditos e de débitos (sim, isso também ocorreu) foram arbitrados pelo BC? Fazer cara de paisagem agora é fácil. Fala-se na concentração e ela existe, mas por acaso será que, em muitos casos, a tal fagocitose não teria ocorrido por estarem "os engolidos" em má situação - e a pedido das autoridades monetárias? Sem contar que o BB e a Caixa também participaram desse processo, inclusive “atropelando por fora”. Quanto à duvida assim expressa "Se esse lance produzirá algum bom efeito, só se saberá mais tarde", a resposta é simples. "Depende". Depende porque a mão forte do acionista controlador - "O governo emparedado" -, pode levar as duas instituições a praticar qualquer juro. Não haverá risco de quebra, uma vez que o Tesouro já mostrou saber lidar com apertos. Assim, não há o menor risco de ler, um dia, paráfrases do tipo "quebramos o BB, mas chegamos a juros ’civilizados’!" Quem poderiam ficar preocupados, num primeiro momento - e conforme for, num segundo, também - são os minoritários do BB. Mas eles já tiveram o exemplo dos minoritários da Petrobras e viram que no fim dá tudo certo, ou quase.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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