Conversa (des)afinada
“Como sempre, os culpados são os outros.” O Senhor Ministro da Fazenda passa ao ataque. Boccaccio dizia que as ameaças não passam de armas de um ameaçado. Que ameaça estaria pairando sobre o autor das inúmeras apostas – perdidas – quanto aos resultados de nossa economia? Fruto de sua análise, ou no papel de porta-pensamento de um poder mais alto, Sua Excelência declara: “O Murilo Portugal ao invés de apresentar soluções, anunciando aumento de crédito, veio aqui fazer cobrança de novas medidas do governo”. Seria fácil responder com uma citação de um dos ícones do marxismo, Friedrich Engels: “Que ingenuidade infantil erigir sua própria impaciência em argumento teórico”. E como é fácil desempenhar o papel de vítima incompreendida, contrariada e indefesa tendo à disposição o Diário Oficial! No entanto, é o que está acontecendo. É prova de esperteza livrar-se da argumentação de um oponente, enquadrando-a numa categoria que não atrairá a simpatia da audiência. Os bancos ganham, até acho isso bom, mas ... aqui entra o “quero, porque acho que sei melhor”. Schopenhauer já havia esquematizado essa estratégia no seu trabalho “A arte de ter sempre razão”. Ao mostrar apenas uma face da moeda: “Nossos spreads são os mais altos do mundo – perdendo apenas para um obscuro país africano”, o Sr. Ministro omite um outro fato: Os impostos que aqui gorjeiam, não gorjeiam como alhures. Sugerir que se atenue a cunha fiscal seria repassar a conta para o governo? Ou do nosso caos tributário não abrimos mão? Pode parecer excesso de prudência, mas no caso do crédito para a aquisição de um veículo, a reserva de domínio passa a ser insuficiente caso de um automóvel financiado em 60 meses, quando ocorre um acidente de percurso do devedor, lá pela altura do quarto ano do contrato. Falar da ‘iniciativa’ do BB e da Caixa não está fora do escopo, mas basta lembrar que o BB sofreu alguns percalços e foi preciso ser “rebocado” com dinheiro nosso (aqui estou usando um eufemismo). Por fim, o desejo de “vitaminar” o consumo através do crédito contém um perigo e uma visão algo apressada. Um aumento do consumo, através da oferta de crédito abundante representa uma antecipação do consumo, empurrando o buraco para além do atual mandato. Seria essa a estratégia? Falar na possibilidade de formação de uma bolha de crédito pode parecer catastrofismo, mas como saber? Claro está que o homo economicus já endividado poderá ser atraído por um juro mais baixo. Mas se ele já adquiriu o bem sonhado, dificilmente adquirirá um terceiro fogão, ou mais uma geladeira. Não basta dizer que “os consumidores estão com vontade de consumir”, como afirmou o Ministro da Fazenda, é preciso combinar com eles. A estratégia de CE credit easing difere do famigerado QE – quantitative easing, fonte de tantas reprimendas a outros chefes de estado. Natural: os méritos são nossos, o inferno são os outros. Basta ver o que aconteceu nas economias inundadas de dinheiro. O crédito não aumentou e o excedente de liquidez virou tsunami. O spread lá fora é mais baixo, mas o consumidor evita endividar-se, o empresário reluta a investir, daí... sobra dinheiro. Em 2008/9 quando a saída encontrada foi através do crédito o endividamento das famílias era, grosso modo, metade do atual. Com todo o respeito, e abusando de citações, vale lembrar Galbraith: “Os discursos na nossa época são vento com o qual preenchemos o vazio”. Isso se aplica também ao zéfiro proveniente do Planalto e adjacências.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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