Conversa (des)afinada
Recentemente, a Presidente Dilma afirmou que não fazia “considerações políticas” sobre o spread bancário, mas achava tecnicamente de difícil explicação. Entre uma reprimenda a Angela Merkel e outra a Barack Obama, que não devem ter perdido o sono por conta desse puxão de orelhas, os bancos oficiais foram à luta. O embate promete. Deixando de lado clichês repetitivos como a ganância dos banqueiros e por aí vai, uma consideração aritmética talvez torne o assunto menos obscuro. De pronto, é importante frisar que o que se segue é uma simplificação sem nenhuma pretensão de rigor. Com efeito, são inúmeras as linhas de crédito com suas respectivas normas: à pessoa física, à pessoa jurídica, à atividade rural, ao microcrédito, crédito consignado, poupança, crédito direcionado etc. sendo que o perfil das carteiras muda de banco para banco. Mesmo assim, é possível tentar um cálculo simplificado. É óbvio que qualquer simplificação leva a distorções, e não há a pretensão de se apresentar um estudo, e sim, um exercício de aritmética. Fosse o assunto tão simples, já haveria uma solução, ou, pelo menos, menos polêmica. De qualquer maneira, é surpreendente que estudos sérios - pelo menos muito mais elaborados - atribuam pouco peso ao compulsório. (Sinal de que a simplificação que se segue parte de elementos mal dimensionados - ou então, está todo o mundo errado e este Joãozinho do passo certo... certo.) Seja então um banco cujo total de depósitos seja 100%. Naturalmente, cada linha possui um custo e suponhamos que um valor de 10% a.a. seja uma aproximação válida (um valor da ordem de grandeza da SELIC, hoje e por mais uns dias, 9,75%). Admitamos que o valor do recolhimento compulsório seja de 35% para todas as modalidades - simplificação que está longe de retratar a realidade - há parcelas remuneradas, outras, realmente esterilizadas e os percentuais variam (o valor de 35% foi obtido de Valor 11/4 C16, assim diluo minha responsabilidade). Vamos admitir que o valor dos impostos que uma instituição financeira paga seja de 40% sobre seu resultado -, considerando o IR e a CSLL (sobre o lucro) bem como o PIS, a COFINS e o IOF que nada tem a ver diretamente com o lucro. (Claro que se houver prejuízo, bobagem falar em IR e CSLL.) Então o Banco X dispõe de 65% do total para aplicar, os outros 35% foram recolhidos, certo? Para que empate, deverá lucrar 10% - o custo vizinho da SELIC - sobre os depósitos. Como existe uma inadimplência da ordem de 5%, o Banco X deverá extrair esse lucro a partir de 65-3,25 (5% inadimplência de 65), ou seja, sobre os 61,75. Vale relembrar que nem todas as formas de depósito compulsório têm a mesma remuneração e no que se segue foi admitida uma remuneração nula - mais uma aproximação - se quiserem, um afastamento da realidade! Portanto, a taxa de juros necessária para empatar será dada, nesse exercício simplificado, não é demais ressaltar, por: X*0,6(efeito impostos)*61,75%=10 ou seja, X = 27% a.a. Já se tem um spread de 17%. Supondo que o Banco X deseje lucrar, seja esse lucro de 2 (2% sobre o valor dos depósitos) X*0,6*0,6175=12 resultando X = 32,4% a.a., ou seja, um spread de 22,4% - com certeza, maior que alhures, mas os impostos que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. Evidentemente, esse valor não pode ser comparado com o spread praticado nas modalidades de crédito Cheque especial ou cartão de crédito (modalidade mais para UTI do que para SUS, e os consultores financeiros não se cansam de recomendar que essas linhas sejam utilizadas apenas em caso de extrema necessidade e por pouco tempo; a oferta agressiva de crédito - solução encontrada para sair da “encrenca” de 2009 - explica em parte a ocorrência de desastres financeiros) assim como não se compara com as modalidades de crédito direcionado (em geral subsidiado), mas serve para ilustrar a influência de uma série de fatores sobre os quais as instituições financeiras não têm influência alguma. Fica uma pergunta no ar, sem muito a ver com a aritmética. Como financiar um carro em 60 meses, sabendo que após 3 anos ele se desmancha no ar? (Não citarei marcas/fabricantes, pero que las hay, las hay.)
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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