Conversa (des)afinada
“Estimular a industrialização”, segundo Amir Khair. Em seu artigo no Estadão 8/4 B5, o autor, engenheiro do ITA e mestre em finanças públicas pela EAESP/FGV, credenciais respeitáveis, concorda que as medidas tomadas recentemente - uma espécie de Brasil Maior II - embora no rumo certo, não são suficientes, num ambiente dramaticamente descrito como sendo o “da maior guerra comercial da história”. É possível concordar ou não com a intensidade das tintas sombrias, afinal nem só de Caravaggio vive o tenebrismo, mais instigante é a passagem em revista das medidas destinadas a completar “o que falta”, na visão do autor. Reformas. Para A.K. as reformas são necessárias, porém sua aprovação não é fácil. Antes de jogar a toalhas nesse quesito, afinal o que é fatigoso não merece ser descartado sem mais, vejamos os argumentos. “Fato é que não são fáceis de serem aprovadas” por envolverem fortes interesses. Então? Prossegue o autor: “Essa reforma (trata-se da reforma tributária) só poderá ser aprovada se o governo bancar as perdas de arrecadação nas operações interestaduais que poderão ocorrer para oito estados”. Uma reedição de “mini-leis Kandir”. Na pressa de enterrar esse assunto não são mencionados outros monstrengos que empurram o empresariado para soluções “criativas”, objeto de intermináveis litigâncias com um Poder, por vezes, Juridículo (opinião controvertida). Talvez seja o ICMS “La bête noire” (ou afrodescendente), mas não é a única. E os impostos em cascata (ou Cachoeira, com o perdão pelo trocadilho)? Ainda bem que não se menciona a falecida CPMF ou sua sucessora, em oportuna hibernação, a CSS. Para a reforma previdenciária, segundo o autor, não há nada a fazer. Ela “deixou de ser necessária”! “O sistema urbano é e continuará sendo superavitário e o sistema rural que é deficitário, tende a sê-lo cada vez menos com a redução da população rural”. “E de qualquer maneira essa reforma nenhum impacto teria sobre a indústria”. Ualll, como dizia Paulo Francis... No mínimo, esse buraco - lamento informar que ele existe - não permite que haja mais investimentos! Assim como não te banharás duas vezes no mesmo rio, o mesmo ducado não servirá simultaneamente a dois propósitos. Ou não? Quanto à desoneração da folha de pagamentos, dificilmente se vê como a mudança no caso dos call centers reerguerá a indústria. Esperemos a noventena. De um modo geral, A.K. afirma que essas reformas - todas - são de difícil consecução por enfrentar resistências. Ah, bom! Se é difícil, vamos ao próximo item. Câmbio. Seguindo o artigo esse é o segundo problema da tríade maléfica. Nesse caso há de tudo. O professor Bresser acha bom um dólar acima de R$ 2,6, A.K. considera que um valor acima de 2,00 seria recomendável. Messieurs, faites vos jeux (façam suas apostas). Não há nada de mal em apresentar números, mesmo por que com nosso complexo de cidade sitiada, tendemos a querer uma bandeira debaixo da qual marchar. Estranha a teoria de A.K. segundo a qual um dólar mais alto não causará inflação, pois os preços “lá fora” estão estagnados e/ou cadentes. Naturalmente, ele não se refere aos preços de petróleo, já que a mão pesada do Governo os endireita por aqui (a que custo, não interessa perguntar). Mesmo assim, os sinais de deflação não se fazem presentes “lá fora”, de sorte que à probabilidade de a desvalorização trazer alguma inflação não se deve associar automaticamente o valor zero. Vale a frase jocosa do Ministro Pimentel, respondendo à pergunta se ele se sente confortável com o dólar a 1,80. “Quando a gente viaja, é muito bom”. O conselheiro Acácio teria acrescentado que a 1,70 era melhor ainda. Fechar parênteses. Mais interessante é a teoria de A.K. que preconiza o combate ao excesso de moeda externa com a emissão do correspondente em reais, ampliando a base monetária. Os mal intencionados falarão em possível explosão inflacionária, mas (felizmente) não há como saber. Ficamos, por enquanto, com o tal carry trade lusitano (com todo o respeito) que consiste em emitir dívida com a taxa SELIC ou parecida e adquirir reservas a serem aplicadas em T-bills (antes que algum gênio da lâmpada decida aplicar num projeto tipo TREMBALABRáS). Se o aumento de liquidez fosse uma solução, seriam eliminados/reduzidos os depósitos compulsórios, o que nos leva ao terceiro ponto da argumentação. Taxa de juros. A idéia é que através do corte de juros das instituições públicas, as demais tenham de acompanhar - follow suit diria um esnobe, ou um bridgista, o que dá quase na mesma. Com isso, haveria um aumento da oferta (de dinheiro) que de acordo com a teoria de J.B. Say, já na naftalina, criaria sua própria demanda de bens. Sem maiores digressões, vale lembrar que o endividamento das famílias está em quase 50%, fato inédito por essas bandas. Seria importante dispor de uma distribuição por faixas de renda desse endividamento, que obviamente não deve ser o mesmo para todos os estratos. Mesmo com corte de IPI e juro farto e barato, o apelo para a compra do segundo fogão não deve ser irresistível. Isso dificulta um pouco a ocorrência do círculo virtuoso ao qual se refere A.K. É fato que em outras economias o endividamento das famílias é (muito) mais alto, razão pela qual, essas procuram “desalavancarem-se”, o que explica o marasmo da economia americana. Ainda segundo A.K. seria risível o argumento dos bancos segundo o qual o spread se deve à elevada inadimplência. Ele argumenta - retomando a teoria do ovo e da galinha - que seria o spread a causa da inadimplência e não o contrário. Na verdade, trata-se de um ciclo, mas no caso das famílias super-endividadas, há muito de falta de educação financeira, que faz com que o raciocínio ingênuo “a prestação cabe no orçamento, vamos assumir mais essa” leve a modalidades tipo UTI - o cartão de crédito e o cheque especial, que mesmo com taxas cortadas ainda poderão ser letais. Encorajar o endividamento das famílias é, no mínimo, uma faca de dois gumes. (Abstenho-me a citar o folclórico Vicente Matheus.) O caso das pessoas jurídicas é mais complexo, mas como A.K. passou ao largo, vale imitá-lo. Finalmente, premido pela falta de espaço, sem dúvida, A.K. não se deteve na análise de dois outros elementos recorrentes nos debates acerca do nível do spread: a assim chamada “cunha fiscal” e os depósitos compulsórios, sendo que esses últimos, a exemplo dos juros também são campeões mundiais. A sonhada reforma tributária, assunto do primeiro item, poderia aliviar a carga dos bancos que pagam IR, PIS, COFINS, IOF, coisa que também não se vê alhures. Hoje, o Governo é o maior sócio dos bancos através dos impostos que arrecada. Quanto à resistência dos bancos privados há um argumento que só se levanta em voz baixa: os bancos privados não dispõem do “funding” do caixa do Tesouro, o que os torna, compreensivelmente, mais prudentes, excessivamente prudentes na opinião do Sr. Ministro Mantega, cuja longa vivência no setor lhe permite opinar com propriedade. Vale lembrar que tanto os bancos privados quanto os públicos dispõem de outras linhas de ganho. As autoridades monetárias sabem disso e tentam “vitaminar” as instituições públicas. Até bem pouco tempo o crédito consignado era um privilégio do BB até que o STF interveio. Obviamente, é desejável um nível mais baixo de juros, assim como é desejável que isso não ocorra por meio de “canetadas”. Como diz A.K. na conclusão do seu artigo: ”vamos acompanhar’.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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