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COLUNISTA
Alexandru Solomon
30/11/2011 - 11h07
Verdade, mentira...
 
 
Conversa (des)afinada

Temos uma Comissão da Verdade. Este fato provocou acalorados debates e negociações, resultando um produto cuja utilidade somente poderá ser avaliada após ter cumprido a missão que lhe foi designada. Não há de minha parte a intenção de adotar uma posição radical favorável ou contrária a essa Comissão. Aguardemos os resultados. Obviamente, faz sentido questionar o horizonte de tempo que se propõe analisar, indagar por qual motivo ficaram de fora períodos importantes de nossa História antes e depois do momento histórico que ficará sob a lupa de um comitê de sete ‘notáveis’. A pergunta: “por que não a partir de - por exemplo - 1930?” ou “por que não até hoje?”, ou ainda “por que esse tratamento hemiplégico da verdade”, não poderá encontrar outra resposta a não ser uma platitude: Os vencedores escrevem a História.

A revogação de fato ou de direito das leis da anistia em maior ou menor grau em toda a América Latina poderá reabrir antigas feridas. Resta saber se será possível falar num resultado positivo dessa medida.

Na vizinha Argentina está “no forno” a proposta de redesenhar alguns perfis de políticos. Esse processo estaria fundamentado numa adaptação da realidade que satisfaça a visão da presidente Cristina Kirchner em contraposição àquilo que gerações aprenderam, isso porque para a presidente do país vizinho, até agora prevaleceu a visão de vencedores em diversos momentos históricos. Exagerando, será que reescrever manuais históricos influirá o futuro da Argentina?

O caso brasileiro nem de longe chega a esse extremo. Aparentemente, o que se pretende é lançar uma luz - que se quer objetiva - sobre o período em foco. Portanto não se tem - em tese - a intenção de chegar a extremos como as “revisões” praticadas na antiga União Soviética, ou nos seus satélites, quando personagens considerados heróis passavam, sem maiores explicações, à categoria de vilões, tendo seus nomes apagados dos manuais de História e seus retratos eliminados de fotografias oficiais - bem antes do advento do Photoshop. Revanchismo? Talvez. Derrubar estátuas de Stalin, depois das revelações de Hruschov (nada de Kruchev) foi a conseqüência visível do surgimento de uma verdade soterrada por longos anos.

A História está repleta de “mentiras”. Somente numa perspectiva histórica será possível determinar as estaturas reais, a ‘verdadeira grandeza’ de perfis públicos. Historiadores empolgados, ou alinhados com os poderosos do momento, bosquejaram retratos que não resistiram ao tempo. As camadas embelezadoras e/ou suas contrapartidas negativas desapareceram, mas esse é um processo que leva décadas ou séculos. Até esse ponto, D. João VI continuará uma nulidade bulímica, Robespierre será o ‘incorruptível’, Pôncio Pilatos será um vitorioso preocupado com a limpeza de suas mãos, e José Sarney... bem, o tempo dirá, ou será que já disse?

Para períodos curtos, prevalecerá a ‘lei de Goebbels”, segundo a qual uma mentira repetida tende a se tornar verdade. Entre nós, a contestação de algumas dessas ‘verdades’ é rotulada de “desespero de reacionário”, ou produto do PIG. Contestar ‘verdades oficiais’ recebe o nome de “tentativa de golpe”, “moralismo udenista” etc.

Mas o que é mentira? Seria apenas uma afirmação contrária à verdade a fim de induzir a erro, ou um juízo falso. Parece ‘pobre’ a idéia de definir mentira a partir do que ela não é. Vale a pena refletir com que objetivo uma proposição mentirosa deturpa a realidade. Ou ainda se a proposição falsa resulta de uma falta de conhecimento ou foi formulada com propósito defensivo. Algo como “Não é o que você está pensando, querido”. Mentiras como essa, assim como o pintor Toulouse Lautrec, têm pernas curtas. “Sem mentiras, a verdade morreria de tédio e desesperança” sentenciava Anatole France.

“Querida, seu vestido está um sonho”, ao invés de “esse vestido a deixa como uma salsicha” não deixa de ser uma agressão voluntária à maneira de ver de um marido que está preocupado em não chegar tarde no jantar promovido pelo “chefão”. Convenhamos, é uma mentira, mas é algo inofensivo assim como “esse corte de cabelo foi um achado” ou “adoro o lombo que minha sogra prepara”. Vamos nos indignar com o filho que afirma com o rosto lambuzado de chocolate nos disser: “Mami, foi o Abner (o cachorro do casal) que comeu a torta”? De forma alguma, uma vez que umas palmadinhas poderão nos tornar réus aos olhos de uma lei de méritos discutíveis.

Não entram nessa categoria: ”terei de preparar a revisão do orçamento e chegarei tarde” e muito menos: “nós não roubamos nem deixamos roubar”, tão em voga. Nesse último caso, é possível dizer que a orientação política é uma inimiga muito mais acerba da verdade que a mentira que resultou.

Então, só nos resta dizer, a exemplo de Pablo Neruda que: “A verdade é que não há verdade”?

A discussão corre o risco de se alongar perigosamente ao invadirmos o terreno pantanoso das omissões. Deixar de mencionar um fato, movidos por dolo, seria mentir. “Jamais menti, mas confesso que já deixei de contar toda a verdade”. Esse é o CEP do perigo. Ou, é aí que mora o perigo. Isso sem contar que contar de maneira proposital somente uma parte da verdade é dar mostra de má-fé.

Não é sem motivo que se pode afirmar que duas meias-verdades não compõem uma verdade inteira.

Ao afirmar que é preciso dourar a pílula, Baltasar Gracián assim se referiu à verdade: “Ela é perigosa, porém o homem de bem não pode deixar de dizê-la”.

Serão os políticos “homens de bem”?


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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