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COLUNISTA
Alexandru Solomon
15/11/2011 - 11h00
Peripécias irrelevantes
 
 
Conversa (des)afinada
 
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  Alexandru Solomon na maratona de Nova Iorque.

Somos - sem exceção - humildes atores ensaiando uma peça cujo final nos é totalmente desconhecidos. Ainda bem. Estou de volta depois da minha 21ª maratona de Nova Iorque. Mesmo sem saber o que nos espera prefiro referir-me a essa prova como sendo a mais recente. Falar em última seria carregar nas tintas do pessimismo, mesmo porque o final da peça à qual me referi acima não me foi revelado.

A corrida em si foi, como sempre, aquele evento maravilhoso. Mesmo sendo minha 61ª maratona - considerando meu currículo inteiro - a emoção se fez presente. Como não pretendo falar na corrida, direi que meu desempenho não foi dos melhores e poderei alinhar uma série de “circunstâncias extenuantes” para justificar o resultado: um joelho avariado (apesar de ter sido operado por um dos papas do joelho), um estiramento na coxa da outra perna, o que me fez mancar das duas pernas e uma gripe com a qual fui contemplado na antevéspera da prova, com direito a presença de médico etc. e tal.

Enfim.

Nada como viajar, rever lugares conhecidos e arriscar incursões em novos espaços. Mas para tanto é preciso chegar lá. E para chegar precisa ensaiar alguns passos do samba do crioulo doido - se é que a tribo do politicamente correto me permite assim dizer. Para acalmar censores implacáveis retiro o crioulo doido e o substituo por afrodescendente com problemas neurológicos. Pronto.

Confesso que devido às vendas espetaculares dos meus livros, viajei em classe executiva, affaires, business class, ou dito de outra maneira, em classe antieconômica - mesmo com o risco de levar a pecha de fomentador da luta de classes, conceito grouchomarxista que não me seduz.

Pois bem. Com o crescente rigor, presente em todos os aeroportos, para embarcar é preciso passar por um controle rigoroso. No moderníssimo aeroporto de Guarulhos, apinhado de gente, mesmo sem estar em plena Copa do Mundo - já sei, estamos nos preparando e tudo corre de acordo com o cronograma - foi preciso enfrentar uma fila para o controle de passaportes e passar pela intransigente inspeção de bagagens de mão. Macaco velho - ou seria mais adequado dizer primata provecto? - não estava carregando nenhum objeto que pudesse ser usado para seqüestrar a aeronave. Nada de cortador de unha, frascos contendo mais de 100 ml de qualquer substância líquida, enfim nada...

De forma algo paradoxal, descobri que os talheres usados para as refeições a bordo eram de metal. Nada de passar um cortador de unhas, em compensação facas de corte afiado, com as quais poderia... Vá entender!

A volta foi ainda mais engraçada, já que as medidas de segurança no JFK são ainda mais rígidas - claro que depois os talheres são os mesmos.

Por um motivo que não conseguiria explicar resolvi embarcar com meu monitor de freqüência cardíaca, cuja marca não declinarei, uma vez que a Polar não remuneraria esse tipo de merchandizing. Os leitores do meu imortal Um triângulo de bermudas, bem como todo atleta de fim de semana sabem que há um relógio incrementado e uma faixa colocada sobre o peito que permite monitorar os batimentos.

Tive de, a semelhança do então embaixador Celso Lafer, tirar os sapatos e o cinto e passar por uma engenhoca que ‘scaneou’ meu corpo cansado, bem como as vestes autorizadas. Retirar e recolocar os sapatos são atos que requerem um certo equilíbrio ou na falta deste uma cadeira. Maratonista dispensa cadeira. Dediquei um pensamento enternecido ao NOSSOEXPRESIDENTE (se o Canard Enchainé sempre se referiu a De Gaulle como Mongénéral, por que não Nossoex? Não me canso de repetir) que desde sempre se insurgiu contra esse procedimento, proferindo a inesquecível frase: “Ministro meu não tira os sapatos”. Não sendo ministro, cumpri docilmente a exigência.

Eis que um empregado da TSA - transportation security administration - aproximou-se de mim, e polidamente pediu para me apalpar. Se o gesto poderia ser classificado de assedio ou não, fica a critério do leitor. Em seguida, decretou. “O senhor está usando um dispositivo no peito”. Disse-o num português rudimentar, mas à la guerre, commme à la guerre. Retruquei tratar-se de um sensor, o que em nada o acalmou. Levantei a camisa, gesto pelo qual fui gentilmente repreendido pela ‘otoridade’. Percebi o quanto essa forma impensada de agir poderia ter ferido o pudor anglo-saxão, mas já era tarde. Dezenas de retinas já haviam sido ofendidas. Mesmo assim, o fiador da segurança aeroportuária parecia alimentar dúvidas. Provavelmente passou-lhe pela cabeça que estaria eu interessado nas 72 virgens prometidas aos mártires que andam se explodindo, e insistiu: “para que serve isso?”. Fato sabido: quanto menor o grau hierárquico de um funcionário, maior a propensão a criar enroscos.

Foi quando me lembrei de um filme maravilhoso: Amici miei, no qual por diversas vezes o inesquecível Ugo Tognazzi, quando confrontado com um interlocutor incômodo, saia-se com uma frase delirante. Algo assim: “Supercazzola prematurata a la seconda com scapelamento a destra”, tudo dito com uma velocidade de fazer inveja a um locutor esportivo.

Imediatamente recitei: Sofro de variações da freqüência cardíaca que eventualmente pode alcançar níveis considerados perigosos e ao detectar tal fato tomo de imediato um betabloqueador.

Funcionou. Fui liberado e tive, finalmente, direito aos talheres de metal que em nada comprometem a segurança das aeronaves, diferentemente dos perigosíssimos cortadores da lâmina dura, formada de queratina, que recobre a última falange dos dedos das mãos e dos pés - segundo define o Houaiss.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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