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COLUNISTA
Alexandru Solomon
30/10/2011 - 13h29
Ritos modernos
 
 

Vivemos numa época impregnada de ritos. E, como queremos demonstrar que não nos deixamos tapear com facilidade, protestamos. Protesto combina com cantar o OUVIRAM DO... mas combina também com queimar pneu, incendiar ônibus — apedrejar também vale. Abraçar o edifício-sede de uma estatal é marca registrada de patriotas, protestando contra infames vendilhões privatistas. Se for protesto de detentos, não terá graça sem queima de colchões. Os colchões que os “de menor” queimam possuem as mesmas dimensões, por uma questão de justiça - que nem sempre é cega, limita-se a ser lenta - que os “de maior” Se os colchões são iguais, as penas são diferentes. Nos colchões dos “de maior”, as penas são de ganso, dizem.

Entrevista de atleta patrocinado combina com uso de boné, chova ou não no estúdio. Se fosse apenas o boné! Os agasalhos roubam a cena, uma verdadeira edição dos Maiores e Melhores da Abril - êta merchandizing sem-vergonha... de minha parte!

Aplaudir no teatro, só de pé. Entusiasmo médio, enorme ou nenhum, para bater palmas em sinal de aprovação nossa brava gente considera ser obrigatório levantar-se. Levanta-se e anda, seguindo o mandamento bíblico. Nos teatros, a postura bípede facilita a saída, e vez por outra, até coincide com a exultação da platéia, pronta para ligar tudo quanto é celular que porventura tenha estado desligado, durante o espetáculo. “Calma, já estamos chegando, estamos meio atrasados, mas podem começar sem nós”.

Apresentação de bandidos, combina com gestos pudicos dos “meliantes”, ou “dos elementos” cobrindo os “semblantes” — diriam as tais crônicas de antanho. O locutor dispara suas catilinárias, xinga corajosamente os presos. Microfones tentam captar o desespero dos familiares das vítimas, com o risco de serem engolidos pelos entrevistados. As perguntas são sempre oportunas. “Já sente saudades do falecido?”, “O que fez quando viu o cadáver?” “Aquela perna lhe faz muita falta?” A lista é infindável. Os bandidos saem de cena, ou pelo menos o diretor de TV coloca no ar novas imagens. Estamos com pressa. Os assaltantes, também. Breve serão soltos por bom comportamento, por falta de acomodações, progressão de pena, ou porque ficaram com saudades, palavra tão maravilhosamente nossa. Ninguém pode se vangloriar de tê-los visto quando desfilavam com o rosto coberto em frente às câmeras. Uma vez soltos, estarão aí prontos para saciar nossa curiosidade. “Lembra daquela cara que uma camisa xadrez encobria? Sou eu, mano velho, passe a grana!”

De acordo, quando se tratar de suspeitos — não de apanhados com a boca na botija —, o uso de burkas improvisadas faz sentido; o assunto merece alguma análise. Ser acusado é uma coisa, ser preso, outra, ser processado é ter azar e, ser condenado, é um privilégio ao alcance dos Zés., em geral integrantes do PPP.

De qualquer maneira, a dinâmica intrínseca à lavagem cerebral televisiva exige novas desgraças, e disso não há falta. Se não houver uma boa inundação, que será da programação, como ajudar o telespectador a assassinar os minutos que faltam até o início da novela? Um terremoto, um furacãozinho com nome de mulher — ultimamente, elas perderam a vez, há mais furacões com nomes de marmanjo. Sem um incêndio, uma erupção, sem tsunami, os índices de audiência irão mergulhar na mediocridade de porcentuais que perdem no cotejo com a taxa de juros dos empréstimos bancários. Um dia, alguém terá de me explicar por que diabo falamos em “picos de audiência” de uma TV, quando sabemos de boas fontes, que o pessoal não se limita a ouvir, assiste de olhos abertos, como os grandes goleadores ao cabecearem. Tá, tá, segundo dicionarista parente do Chico, receber mensagem da mídia caracteriza audiência. Imagine, ir a um “auditório” para assistir a um show de mímica... Uma audiência de surdos assistindo mudos.

De acordo, quando se tratar de suspeitos — não de apanhados com a boca na botija —, o uso de burkas improvisadas... Calma, gente! Repeti só para ver se estavam prestando atenção...

Na falta de outra coisa, para os entediados, vale queimar a bandeira norte-americana. Penso que existem indústrias que devem sua sobrevivência à fabricação desses vistosos lábaros. É como fabricar rojão. Vendeu, queimou — a demanda permanece aquecida — sem trocadilho. Mais queimas, maior produção, mais emprego e vamos de mão dadas, abanando-as para cima, é claro, caminhar para um mundo mais justo. Alguns caminhantes até se dispõem a fornecer o endereço dessa praça da Utopia na confluência das avenidas da Ilusão com a rua do Engodo.

Por falar nessa famosa esquina, nada como os programas de propaganda dos partidos políticos. Todos os problemas que afligem uma cidade, um estado, o país ou até o universo são resolvidos por personagens bizarros que protagonizam um autêntico show de sabedoria em cima dos telespectadores. Promessas que dificilmente serão cumpridas, ilustradas por jingles que vão desde “São Paulo foi mais São Paulo, no tempo de Adhemaaaar” até “Brasil, urgente, Fulano presidente” martelam sem dó o telespectador indefeso. É sabido que um bom jingle vale por dez propostas.

O que acho disso tudo? Ora, o analista é você, caríssimo leitor; eu estou apenas de passagem.

* Crônica do livro Bucareste (contos e crônicas).


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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