Conversa (des)afinada
“Os números falam por si”. Eis um lugar-comum que mereceria um complemento: “desde que corretamente organizados”. É o caso das matérias apresentadas pelo Estadão na página B4 do caderno Economia de 17/10/11. Um exemplo clássico, vindo do século passado ilustra o ponto. Nos anos de inflação galopante havia uma ‘constatação’ - correlação espúria -: à medida que aumentava o número de gols de Pelé a inflação avançava. Obviamente, as duas sequências de dados nada tinham em comum, e a ninguém passou pela cabeça pedir ao Pelé que, em nome do combate à inflação, parasse de marcar gols. Posteriormente, essa ‘teoria’ afundou. Pelé pendurou as chuteiras e a inflação continuou firme e forte até o advento do Plano Real. “Assalariados pagam mais IR que os bancos”, diz a matéria do Estadão. Ilustrando essa “distorção tributária”, o leitor é informado que o IR/trabalhadores no período set/2010-ago/2011 foi de R$ 87,6 bi, enquanto os bancos recolheram R$ 36,3 bi considerando IR, Cofins, Pis/PASEP e CSLL. O que se pode concluir? (Diga-se de passagem, essa afirmação não é nova, sendo até objeto de estudos acadêmicos.) Nada. Provavelmente, as pessoas físicas (assalariados, profissionais liberais, artistas etc.) devem ter recolhido mais IR que a indústria petrolífera, ou que a indústria siderúrgica, fato que aparentemente causa menor indignação no articulista, a ponto de não merecer menção. Da maneira que os números estão apresentados, é impossível verificar qual a participação de salários e de honorários, ganhos de capital, aluguéis etc. De qualquer maneira, parece um equívoco misturar assalariados com pessoas físicas em geral. A conclusão do artigo ilustra um outro ponto: É possível chegar a uma conclusão correta a partir de observações desconjuntadas. De fato, ninguém poderá contestar que: “Não basta o Estado bater recordes de arrecadação...” A seguir um outro artigo ilustra a “imparcialidade” tão necessária ao se examinar um problema. Diz a manchete “Setor financeiro tem benefício de R$ 26 bilhões”. Ah, os miseráveis - seria a primeira reação. Uma leitura do texto mostra que a objetividade se faz rara nesses dias. Um estudo do Sindifisco mostra que um benefício previsto na legislação brasileira, que mais contribui para que os bancos recolham menos imposto é a permissão para remunerar sócios e acionistas por meio do pagamento de juros sobre o capital próprio. Ah, os infames! O sítio da Receita informa: “Os juros pagos ou creditados, a título de remuneração do capital próprio devem ser tributados exclusivamente na fonte à alíquota de 15%, na data do pagamento ou crédito. O imposto retido não pode ser compensado na Declaração de Ajuste Anual.” De fato, as pessoas físicas, dependendo do montante de sua renda tributável chegam a pagar 27,5%, mas esse não é um benefício direto do setor financeiro. Ocorre que o pagamento de juros sobre o capital próprio é uma prática que não beneficia unicamente os bancos, fato que o articulista não procurou informar, justo hoje quando no Estadão na página A2 aparece um excelente artigo, Jornal, qualidade e rigor, no qual o autor, Carlos Alberto Di Franco, frisa a importância de as matérias jornalísticas se diferenciarem pela qualidade da informação, análise etc. “Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.” Esse é o caminho.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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