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COLUNISTA
Alexandru Solomon
09/10/2011 - 07h02
Win win
 
 
Conversa (des)afinada

Num final de tarde particularmente bonito, com os raios de sol incendiando o céu, o Gafanhoto decidiu que estava na hora de visitar o Mestre, ao qual devia migalhas de saber, cujo efeito era tornar menos opaca a ignorância na qual vivia mergulhado. Bem sabia que na condição de um dos “mais bobinhos da turma”, tudo que lhe restava fazer era abeberar-se na fonte do saber.

Ao chegar perto da entrada da caverna - lugar geométrico tradicional dos gurus - sentiu-se algo inseguro, mas logo superou esse sentimento. Encontrou o Mestre sentado na posição de lótus, mirando com fixidez um ponto indefinido, onde as retas paralelas costumam se encontrar.

- Seja bem-vindo.

- Desculpe minha intromissão. Sei que interrompê-lo na sua meditação irá me valer pontos negativos na avaliação final, mas computando o framework risco x retorno, decidi arriscar.

- Audaces fortuna juvat. A fortuna sorri aos audaciosos - em tradução livre. Aproxime-se.

O Gafanhoto lançou um olhar circular - aprendera que um olhar elíptico poderia causar distorções na percepção - mas tudo que viu não passava de um ambiente austero; as paredes nuas da rocha escavada, um cartaz “Proibido fumar”, a pilha de livros de há muito tempo intocados, tudo mergulhado na fumaça originada pela queima de incenso. Tossiu. O Mestre, também.

- Mestre, venho a pedido de um amigo, conselheiro de investimentos, e antes de tratar dos meus assuntos, gostaria de lhe encaminhar algumas perguntas. Teve direito ao mutismo do Mestre, que tanto poderia significar encorajamento, quanto a mais profunda reprovação. Decorridos intermináveis segundos, o Mestre decidiu apiedar-se:

- Tentarei ajudar, mas há uma condição. Depois farei também uma pergunta, para avaliar o quanto assimilou.

- Mestre, sei que a Petrobras está construindo uma refinaria em Pernambuco.

- Já lhe disse que uma pergunta jamais poderá ser feita na forma de uma afirmação. Un maestro de mi categoria e fuerza jamais faz concessões.

- Perdão, ainda não cheguei a pergunta.

- Seja objetivo, Gafa!

- Essa refinaria é necessária?

- Naturalmente, sabe que apesar de ser auto-suficiente em petróleo há mais de quatro anos, o Brasil importa derivados, sendo a balança comercial negativa nesse particular.

- Como assim?

- O valor gasto com importações é maior que a receita de exportações.

- Mas é auto-suficiente.

- Gafanhoto, sempre haverá um critério segundo o qual chegamos à conclusão desejada. Por exemplo: Você me acha magro?

- Sim. Até evitei mencionar o fato. Parece muito magro.

- Errado, Gafanhoto. Sou é muito alto. Se medisse uns trinta centímetros a menos com o mesmo peso, você me acharia obeso, a medida do meu IMC seria maior que 25.

- IMC?

- Índice de massa corporal, Gafanhoto. Não está familiarizado com o uso de siglas?

- Sim, conheço algumas. PAC, FMI, COPOM... Então a refinaria é necessária?

- Não costumo mudar de opinião tão rapidamente. Não é nem questão de coerência que seria a virtude dos imbecis.

- Perdão. Soube que, para esse, a Petrobras receberá um financiamento de uns R$ 10 bi do BNDES, parte de um pacote maior. Mais uma sigla.

- Veio me comunicar isso?

- Não, mestre. A pergunta é: Depois de uma capitalização de 70 bilhões de dólares, isso era necessário?

- Gafanhoto, o plano de investimentos da Petrobras para o período 2011-2015 é de mais de 220 bilhões de dólares. O lucro líquido para esse período será de digamos 20-25 bilhões de dólares anuais. Mesmo com a empresa se desfazendo de alguns ativos, falta dinheiro para cumprir esse plano.

- Entendi.

- Não entendeu, Gafanhoto. Se continuar com essas interrupções nada entenderá. Nunca! Daquela capitalização - a maior do mundo, cantada em versos e prosa ufanista - uns 40 bilhões de dólares já foram gastos. A Petrobras comprou 5 bilhões de barris a U$ 8,51 cada.

- A empresa ficou com medo que esses barris se evaporassem?

- Não, Gafanhoto. Mas é sempre bom garantir o direito de explorá-los.

- E a Petrobras tinha esse dinheiro?

- Você não entende nada. O governo entrou com esse dinheiro que a Petrobras usou para fazer a compra, de modo que no balanço, ao invés de Caixa ela tem os barris. Mas rápido em conta como o conheço, já viu que não sobrou tanto. Sem contar que o governo apurou uma receita com essa venda, que serviu para vitaminar o superávit primário.

- O Governo tinha esse dinheiro, para capitalizar a Petrobras?

- Tinha... ou emitiu papel, fez dinheiro e o recebeu de volta. Entendeu?

- Ah. Que governo inteligente!

- É uma pergunta?

- Não, Mestre, é uma exclamação.

- Exclamações não requerem respostas.

- Então, voltando à refinaria Abreu e Lima, a Petrobras associou-se à venezuelana PDVSA. Está vendo, mestre, mais uma sigla.

- Veio para me impressionar com seu conhecimento de siglas, Gafanhoto?

- Sei que jamais conseguirei impressioná-lo, Mestre. Mas voltando à pergunta, que não tive oportunidade de formular. Essa associação é boa?

- Boa para quem, Gafanhoto?

- Aprendi no curso de doutoramento que um negócio tem de ser bom para ambas as partes. Tem de ser win, win.

- Está grasnando sem razão, gafanhoto. Por que não diz ganha, ganha? Vamos pensar. Numa associação ambos os sócios investem na proporção acordada. Nessa refinaria, cujo custo não para de subir, a Petrobras entra com 60% e a PDVSA com...

- 40%.

- Sua habilidade numérica não encontra paralelo no mundo inteligente. Já pode tentar uns testes psicotécnicos para ascensorista do Senado. É a última interrupção que tolerarei hoje. Recapitulando. O custo da refinaria, depois de triplicar em relação à estimativa inicial está, por enquanto, em uns 26 bi de reais. Por enquanto, a Petrobras cacifou e a PDVSA apenas reclama da lentidão. O presidente da Venezuela até disse que ‘há setores da Petrobras que não gostam’, mas ele pretende resolver esse assunto quando falar com “sua amiga Dilma”.

- Isso mesmo. Foi o que li no Estadão. Mas por que será que esses setores não gostam, Mestre, se for verdade o que Chávez disse?

- É que até agora, com 35% do projeto completados a PDVSA não colocou nenhum tostão. Não me pergunte como se chegou a 35% e não a 33,8 ou 38,1%. Não é o momento de falar em algarismos significativos. É apenas um ballpark.

- O que?

- Uma aproximação.

- E por que a PDVSA não investiu ainda?

- Boa pergunta. Como dizia o grande Carl Herrmann[i], responda você mesmo!

- Não quis se precipitar. Ou não tinha.

- Correto. Daí a PDVSA pretende levantar um empréstimo com o BNDES. Somos parceiros. Como você disse, Gafa, quen, quen!

- É win, win, mestre!

- Que seja!

- Ah, com nosso dinheiro? E o BNDES emprestará?

- Para não sair mal na foto, o BNDES exigiu garantias, essa bobagem típica de banqueiro - saber se receberá de volta o dinheiro.

- Para uma empresa do porte da PDVSA apresentar garantias é difícil?

- No caso deles levou meses, até que conseguiram duas cartas de fiança cobrindo R$ 4 bi. Uma delas relativa a 1 bi é do BB. - Também conheço siglas. Para os outros R$ 3 bi veio uma carta de fiança do BES português - um banco tradicional com quase 150 anos de vida.

- As cartas chegaram apesar da greve dos Correios?

- Gafanhoto, olhe o respeito!

- Então, a PDVSA não tinha dinheiro para investir, precisou de financiamento do BNDES e parte das garantias foi dada por um banco brasileiro?

- Tudo em casa, Gafa! Somos uma grande família!

- Então o projeto receberá o aporte da PDVSA?

- Por enquanto, não, mas isso deverá acontecer, assim que eles verificarem quanto já se investiu para poder pedir ao BNDES o correspondente a 40%, isso acontecerá. Fazem muito bem querer verificar. Não vão torrar dinheiro à toa.

- Então é um bom negócio?

- Chega de perguntas. Seus assuntos ficam para um outro dia. Agora é a minha vez. Pense e responda. O que é azul, está numa árvore e assobia?

- Não sei.

- Pense, Gafanhoto!

- Ma langue au chat. Desisto.

- É o presidente da Petrobras.

- Por que azul?

- Porque assim o pintei.

- Por que fica numa árvore?

- Porque lá o coloquei.

- Por que assobia?

- Foi para dificultar, Gafanhoto!

O Gafanhoto agradeceu e saiu. Uma lufada de ar gelado o fez estremecer. Caminhou, tentando entender a razão da pergunta do Mestre.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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