Conversa (des)afinada
Abaixo a lingerie! Céus, o que fui escrever! Os caçadores de segundos sentidos – normalmente, aqueles que nem o primeiro conseguem identificar – devem estar indignados. Um pouco de calma! Tudo começou com o comercial da HOPE. Se não houvesse tanto alarido, confesso que provavelmente não teria assistido a essa famosa propaganda. Agora, o mal está feito, graças ao YouTube sei tudo! Em resumo, para aqueles que ainda não sabem, e morrem de curiosidade, trata-se de três peças publicitárias – confesso envergonhado que só vi uma. Numa, Gisele Bündchen aparece primeiro vestindo roupas ‘normais’, avisando um interlocutor oculto – mesmo se aparecesse, suspeito que não mereceria o mais distraído dos olhares – que acabou de bater o carro. Reprovando essa estratégia, a agência publicitária apresenta a alternativa ‘correta’. Gisele aparece com o ‘uniforme’ da grife e dá a mesma informação. Essa é a maneira recomendável de acordo com o anúncio. Em suma, uma mensagem bem-humorada. Certo? Errado! Pelo menos é o que pensa a SPM – Secretaria de Políticas para as Mulheres, ligada à Presidência da República. De acordo com o Estadão, a Secretaria alega ter recebido “reclamações de indignação” (sic). Parece que existem diversos tipos de reclamações, sendo as de indignação as mais poderosas. A Secretaria enviou ofícios – ao Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), solicitando a suspensão da propaganda, bem como a companhia, manifestando seu repúdio. Na visão da SPM esses comerciais reforçam “o estereótipo da mulher como objeto sexual do marido e ignoramos avanços alcançados”. A SPM descarrilou em nome do ‘politicamente correto’. O próximo passo será, quem sabe, insurgir-se contra a Lisistrata de Aristófanes, e sua greve do sexo – se bem que uma ‘ala progressista’ possa encontrar méritos na apologia da greve. Bem, em 400 a.C não havia greve. É de conhecimento de todo leitor do opúsculo que revela ao mundo que “os menino pega os peixe”, que o nome deriva de uma praça de Paris – Place de Gréve –, de cuja existência Aristófanes, salvo grotesco anacronismo, não tinha a mais vaga idéia. Por que essa digressão? Voltemos à Lisistrata. Na comédia homônima, ela e algumas amigas, atenienses, espartanas, beócias etc., insurgem-se contra a guerra, e para demover seus maridos dessa empreitada insensata, decidem negar-lhes ‘seus favores’, como se dizia uns séculos atrás, cultuando um doce eufemismo. Não bastasse isso, Lisistrata convenceu as amigas a desfilar com roupas transparentes e... melhor não prosseguir na enumeração dos detalhes. Caramba! Há mais de dois mil anos estratégias iguais à da Hope eram colocadas em prática. O que fazer? Banir também essa peça “para desconstruir práticas e pensamentos sexistas”. Naquela peça encontramos uma frase que mostra que houve falhas em “orientar, fiscalizar e controlar” o autor. Diz ele, por intermédio de uma das personagens: “Quando não estão pensando em um homem é porque estão pensando em vários”. Um horror! E mutatis mutandis, isso estaria acontecendo também com os sátiros desejosos de aplacar sua concupiscência. Aristófanes não rebaixou a mulher, apenas ressaltou um trunfo, cuja validade ainda não expirou. Até o PROCON concorda. Assediados que somos por peças de humor grosseiro, na programação televisiva, deparar-nos com esse tipo de crítica não leva a nada. A situação descrita é cômica. Se não consegue provocar o riso, ao menos fez sorrir inúmeras pessoas, menos aquelas acometidas da tal indignação. O homem é um animal que sabe rir, sustenta Bergson, citando outros filósofos. Apesar de ele ter se doutorado pela Universidade de Paris e não por Sciences Po, vale dar-lhe um crédito. O que provoca o riso são exatamente cenas insólitas como essas que tanto incomodaram a SPM. Decerto seria deselegante, para não dizer injurioso, aludir a essa iniciativa como sendo originada por pessoas “de evolução intelectual prejudicada” – para ficar no terreno do politicamente correto. Como não estou pretendendo ser acusado de injúria, mesmo que isso possa ajudar na promoção dos meus livros, melhor moderar os termos e optar por caracterizar essa iniciativa, como tendo partido de pessoas desprovidas de senso de humor. Acredito piamente que uma peça bem-humorada não fere o status conquistados pelas mulheres. Todos sabem que na última sessão da ONU o discurso inaugural foi proferido por uma mulher. A ninguém ocorreria imaginar Madame Curie de calcinha e sutiã. E mesmo se alguma mente pervertida se deixasse seduzir por essa imagem, não seria a partir disso que a lingerie da Hope estouraria em vendas. É lamentável que haja desperdício de energia e oratória por parte de um órgão ligado à Presidência da República, procurando intenções malévolas naquelas propagandas. Sem contar que o efeito provável será o contrário. A audiência vai ‘bombar’.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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