Conversa (des)afinada
Não é preciso ser ‘do ramo’ para opinar. Tanto isso é verdade que nossa constelação ministerial é composta de ilustres figuras que – com as exceções de praxe (raras, para sermos justos) – pouco ou nada entendem do riscado. Há uma réplica famosa na peça Knock de Jules Romains: “Tout homme bien portant est um malade qui s´ignore”, o que numa tradução aproximada daria algo como “todo ser saudável não passa de um doente que ignora seu real estado”. Então, por que não estender o conceito afirmando que todo ser humano é um economista sem sabê-lo. Como Monsieur Jourdain de Molière, que fazia prosa sem saber, tendemos a ser economistas ‘involuntários’. Estamos de acordo quanto a estarmos no meio da marolinha 2.0? Parece não haver dúvidas a respeito. Os ativos tóxicos não foram ainda reciclados, e mesmo sem termos convivido com aberrações sub-prime – por sorte, a crise eclodiu antes que eles fincassem raízes por aqui – nosso vigoroso crescimento de 7,5% de 2010 (em cima de uma base deprimida, correspondente a uma queda do PIB em 2009), não está prestes a se repetir. Não é o que sustenta Sua Excelência o ministro Mantega, que defende com unhas e dentes a hipótese de um crescimento maior que 4% em 2011, repetindo as palavras de Sua Excelência a Presidente da República. Ou será o contrário? Pouco importa. Indiferente a essas manifestações ufanistas, o Fundo Monetário Internacional reduziu em 0,3 ponto percentual a projeção de crescimento do Brasil, para 3,8% neste ano. De acordo com as previsões, o Brasil terá o segundo menor crescimento da América do Sul, ficando atrás somente da Venezuela e abaixo da média da região. O relatório prevê que o país crescerá menos que a média dos países sul-americanos, informa a CBN. Antes de amaldiçoar os arúspices do FMI, iludindo sua hipótese pessimista, parece sensato aguardar o transcorrer dos poucos meses que faltam para o fim do ano. Fazer previsões, especialmente sobre o futuro, é uma operação de risco. Diante das ameaças da conjuntura externa, o COPOM decidiu cortar a SELIC. A medida foi aplaudida, por colocar em xeque os ’juristas’ – partidários da manutenção dos juros altos para segurar a inflação, segundo uma definição bem-humorada. Outros torceram o nariz. Segundo O ESTADO não fomos os únicos a ousar. Estamos em companhia da Armênia, Tunísia e Sérvia, cujos PIBs somados não devem fazer cócegas ao nosso. Seria temerário associar essa medida à alta do dólar? Talvez. Pelo menos, exportadores respiram aliviados. Quanto aos importadores. Bem, não é possível contentar todo mundo. Pagaremos mais caro por inutilidades típicas do consumo suntuário. Veblen deve dar boas risadas. Mas pagaremos mais caro pelo trigo que importamos. Coisas da vida. Seria atrevimento tentar determinar o resultado final disso tudo. Mexer num painel cheio de botões luminosos deve exercer uma grande atração. Como dizia aquele filósofo cego: veremos mais tarde. Para combater a invasão chinesa – uma economia de mercado, de acordo com nossos hábeis diplomatas – aumentamos o IPI dos carros importados. É uma forma de competir. A ninguém ocorreu baixar o IPI dos nacionais? Abrir mão de arrecadação, não, nunca, never, jamais! Pior, em volta, as chamadas economias maduras estão fazendo água, em busca de uma solução. Generosos – e megalomaníacos – até propusemos aplicar parte de nossas reservas em títulos de economias titubeantes. Não bastam as fantasias do nosso FSB (o tal fundo Só berrando) com aplicações pesadas nos aumentos de capital da Petrobras e BB e as conseqüentes perdas? Sejamos maluquinhos e “apliquemos nosso suado dinheiro das reservas em papel de alto risco”! Em artigo recente, (NY Times 18/9) Paul Krugman fala da cura através da sangria, solução em voga no passado da Medicina, cujo efeito era debilitar ainda mais o paciente. Segundo Krugman esse erro está se repetindo na área das economias devastadas, com tristes conseqüências. A Grécia que o diga. Mas esse é outro problema. Num outro artigo publicado em 2009, Krugman menciona o paradoxo da parcimônia. Não precisa folhear Keynes, basta dar uma lida no bom Samuelson. Basicamente, é importante poupar, mas se uma grande comunidade começar a poupar, deixará de consumir, a demanda por bens cairá, a economia encolherá e a poupança terá sido inútil, ou até danosa. Peço desculpas por essa interpretação superficial. Então, a solução não passa pelo aperto de cinto, ou pela sangria? Os gregos estariam sofrendo inutilmente? Chegamos a um ponto interessante. O Brasil optou, em 2008-9 pelo incremento do consumo, e enfrentou com sucesso a crise. Dirão alguns que havia capacidade ociosa na indústria, mas pouco importa. Nessa frente, entraram pacotes de crédito e investimentos (PAC e outros). Aparentemente, nada a dizer. Ocorre que os ‘gastos virtuosos’, chamêmo-los assim, vieram junto com despesas de qualidade duvidosa, pelo seu viés populista. Algo contra reajustes salariais generosos? Apenas o fato de eles serem inflacionários quando superiores aos ganhos de produtividade. Resultado: uma inflação que ameaça se portar mal. Não se trata de estarmos por alguns meses além do sacrossanto teto da faixa de tolerância da meta. Como diria NOSSOEXPRESIDENTE: passou da risca da área é pênalti, mas talvez o juiz não veja. Não se trata de afirmar que 6,5% de inflação é suportável e 6,6% equivale a uma tragédia nacional. O problema é acordar o dragão e sua fiel amiguinha a reindexação. No caso, quem preocupa, não é Batman e sim, Robin.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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