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COLUNISTA
Rui Grilo
04/09/2011 - 23h07
Morrer na praia
 
 

De madrugada, na cama, fiquei me lembrando de tudo que havia acontecido. Mesmo tendo pós-graduação, me senti completamente impotente como um analfabeto com todas as barreiras que tem que enfrentar.

No canto dos olhos as lágrimas estavam prontas para brotar mas teimavam em permanecer no mesmo lugar. A vista se turvava, a garganta se apertava e sentia uma ligeira atordoação. Sentia que estava a beira de enfartar. Depois de dois dias de intenso trabalho, de várias mensagens pela internet e pelo telefone, depois de reunir preços, quantidades e de pensar todas as etapas do processo, todo esse trabalho estava para se perder porque os números não cabiam nas células da planilha e as margens teimavam em permanecer no mesmo lugar. A solução salvadora seria transformar o formato retrato no formato paisagem. Tentei todos os ícones da barra de ferramentas do Word e não conseguia descobrir. Fui até a vizinha e nenhuma de suas filhas que poderiam ajudar a desatar esse nó estavam na casa. Fui até o mercadinho falar com a balconista e ela também não sabia. Fui até a casa de um adolescente e ele estava na escola. O desânimo me abatia.

Quando cheguei em casa, a internet havia caído. Entrei em parafuso. Não mandar o projeto era matar a possibilidade de garantir, a curto prazo, instalar a água, o esgoto e a luz elétrica. Era a impossibilidade de abrir o espaço à noite para as aulas de capoeira e reuniões comunitárias. Significava ter que bancar todos os custos do atendimento às crianças com recursos próprios ou ter que passar o chapéu, ou vender rifas e convites para jantares. Era a insegurança de não ter certeza da continuidade.

O dinheiro do projeto serviria para aumentar a produção de mudas de árvores e plantas para paisagismo. As vendas, depois de um longo tempo paradas, começaram a aumentar, e aos poucos, o estoque começou a baixar. Precisávamos aperfeiçoar a técnica e o ritmo de produção. O aumento da produção e das vendas é que poderá garantir a continuidade e a sustentabilidade da instituição, liberando o nosso tempo para ser utilizado em oficinas educativas, culturais e de geração de renda.

Para isso, precisamos de uma pessoa para a área de produção, pelo menos uma vez por semana, porque a idade de nós que dirigimos os trabalhos já não nos permite tarefas que exijam muito esforço físico. Também precisamos dos materiais necessários para a produção: terra, adubo, tubetes e saquinhos, potes para plantas mais altas, ferramentas, equipamentos de proteção. E tudo isso tem um custo com o qual não podemos arcar.

Até agora temos contado com a boa vontade de cada um e a criatividade para encontrar soluções baratas e sustentáveis como a compostagem para a produção de adubo orgânico e a utilização de caixas de leite como recipiente para as mudas. No entanto, para a produção em maior escala, precisaremos de mais terra, cujo custo é muito alto e os tubetes permitem melhor aproveitamento da terra reduzindo sua quantidade por muda.

No entanto, como fazer isso sem dinheiro?

A consciência da necessidade de dar esse salto e a chance de conseguir os recursos necessários me fez ir à casa da Nalva para trocar idéias, completar os dados e garantir o envio pela internet.

O dia findou e a noite caiu. Ninguém dominava o Excel. Depois de preenchermos todos os custos na planilha, tivemos que fazer a soma na vertical para saber o custo de cada mês, e a soma na horizontal para saber o subtotal dos vários itens de despesa: mão de obra, embalagens, ferramentas etc. Os subtotais das linhas verticais tinham que bater com aqueles das horizontais. Como as planilhas ocupavam várias páginas, na tela do computador ficava difícil somar as linhas verticais. E os dois totais – das linhas horizontais e da verticais – se negavam a bater coincidindo com os resultados. Estávamos exaustos. Tivemos que apelar para o filho dela. Quando os resultados bateram, foi como se a criança tivesse nascido.

Tentei entrar no Terra e o provedor não entrava. Tivemos a idéia de gravar no pen-drive dela. Sabe como é bolsa de mulher. O tempo parecia uma eternidade. Como salvar e enviar? Foi outra tortura. De novo tivemos que apelar para o filho dela. Quando conseguiu completar o envio dos dados foi uma verdadeira explosão de alegria e uma sensação de relaxamento após um dia inteiro de tensões.

Mas ainda faltava mais uma pedra no caminho. Ele me levou até em casa e havia um barulho diferente no carro. Quando chegamos em casa, desceu e começou a observar o carro. O barulho era do escapamento que estava se soltando provocando muito barulho ao se chocar com os paralelepípedos da rua.


Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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