Conversa (des)afinada
Não há novidade alguma na afirmação: “os mercados passam por uma preocupante fase de turbulência”. Afirmar que essa seja a pior só pode ser conseqüência de uma verdade acaciana: Por piores que as outras crises tenham sido, elas já ficaram para trás. Quanto a essa, ninguém sabe dizer como, quando e se terminará, embora saibamos que o fim do mundo não chegou (há fortes motivos para duvidar que tenha chegado). O detonador da recente confusão foi o rebaixamento por parte da agência S&P do rating norte-americano. Segundo vários entendidos, entre eles Paul Krugman, foi um ato precipitado, eivado por um ‘errinho’ de 2 trilhões, vindo de uma instituição que de infalível tinha muito pouco. Mesmo admitindo o engano, a S&P manteve sua decisão. E os mercados ficaram ‘doidões’. É possível discutir a metodologia empregada por essas agências, incapazes, no passado, de atribuir ratings corretos ao Lehman Brothers entre outros. Pior. Não é fácil entender por qual motivo a Espanha, assolada por graves problemas esteja alguns degraus à frente do Brasil. Agora, tudo isso não passa de líquido fisiológico branco - secretado por glândulas mamárias - já derramado. Um reputado economista, parceiro de corridas, dizia que “dívida não se paga, rola-se”. Evidentemente, a partir de certo nível de endividamento, os credores passam a olhar com inquietação crescente a possibilidade de um eventual calote. O que aconteceu ao norte do Rio Grande foi um tsunami político, cujas conseqüências foram a sequência ridícula de idas e vindas quanto a elevação do teto do endividamento ianque e a (in)conseqüente atitude da S&P. Apesar de esse parceiro de corrida tenha abandonado a prática, a afirmação dele se sustenta. Vale notar que não havia ineditismo algum nessa operação - elevação do teto - praticada dezenas de vezes nas últimas décadas. Decididamente para a Macroeconomia não se encontra uma definição prática. Por um lado, é considerada como uma transposição a nível nacional da economia doméstica - basta ver o tratamento simplista que recebe de quem pouco ou nada entende, por outro lado é uma sopa de letras, de preferência gregas, refugiadas no meio de equações diferenciais com complicadores tomados emprestados da fuzzy logic. Para acrescentar um pouco de sofisticação é de bom tom misturar finanças comportamentais - obrigado Daniel Kahneman. Para ilustrar a primeira abordagem, vale citar NOSSOEXPRESIDENTE, incansável em ministrar palpites, tanto mais frequentes, a medida que finge desencarnar do papel de autoridade, derivando para o papel infinitamente mais cômodo de palpiteiro. Recentemente, ele afirmou que seria muito melhor deixar de aplicar nossas reservas em títulos que rendem ‘merrequinha de juros’ e constituir um fundo de desenvolvimento para a América do Sul. Impressionante! Como ninguém jamais havia pensado nisso antes? Um diretor do BID até aplaudiu a idéia. Imaginemos por um instante que, à luz dessa compreensão superior, o Brasil aplicasse nesse fundo de fomento. Advém uma crise, um ataque especulativo e são necessários vários bilhões de dólares. Pronto, basta pegar o telefone e ligar, por exemplo, para Havana, solicitando a devolução de uns bilhõezinhos, investidos num hipotético metrô, ou para Venezuela, solicitando com urgência outros bilhõezinhos destinados a financiar uma rodovia. Para nossa total decepção, virá uma resposta do tipo: Trata-se de um investimento de longo prazo, logo no hay plata. O nome do jogo é liquidez! Mas, dirão os idiotas da objetividade, ninguém falou em colocar TODAS as reservas nesse fundo de fomento, apenas uma parte. Perdão, mas não é o que faz hoje o BNDES? Não é através de ‘injeções’ do Tesouro que o BNDES participa desse tipo de atividades? Vamos nos entender. Nossas reservas decorrentes de compra de dólares/euros/rúpias etc. são fruto em boa parte de superávits comerciais e do carrytrade suicida (ou lusitano, com todo o respeito), por meio do qual a autoridade monetária se endivida a taxas Selic, ou parecidas, e recebe a remuneração ‘merrequinha’ que tanto incomoda nosso guia? Por outro lado, as injeções do Tesouro no BNDES não decorrem de tomada de recursos a taxas Selic para serem aplicados em financiamentos a juros subsidiados? Taí o tal fundo de fomento. Determinar o custo desse grito de independência ficam como dever de casa. Os grandes teóricos, por sua vez, não perdem a altivez. Dividem-se em neoliberais - arghh - em Keynesianos, neokeynesianos e deixam uma vaga para alguma outra seita de PHDs e trocam farpas eruditas. Então multiplicador pra cá, IS-LM pra lá, mercado desregulado aqui, propensão marginal acolá, jorram teses, verdadeiros gêiseres, provocando sérias queimaduras nos políticos, dos quais, em última instância - e essa é a pior parte - tudo dependerá. Fazendo apelo à Lógica, entra em cena o modus tollens. Tomando emprestado um exemplo da Wikipedia, é possível dizer: Se eu piso em uma casca de banana, eu caio. Eu não caí. Então, não pisei em uma casca de banana. Transpondo essa maravilha lógica para o nosso caso, seria exagerado afirmar?: Se o déficit não for refinanciável o mundo acaba. O mundo não acabará (tocar 3 vezes na madeira). Logo não há motivo de insônia (por enquanto) com o déficit. O problema se agrava, quando lembramos que estamos à mercê dos políticos. Por algum motivo não gostamos muito dos políticos, e não é de se espantar. A tendência é afirmar: Todos os políticos são incapazes. A ajuda vem de Karl Popper - para gáudio de um amigo meu; será que continuará amigo depois disso? Ele (Popper) afirma que supondo que possam existir nesse mundo, mundo, vasto mundo, unicamente cisnes brancos ou pretos a negação da sentença “Todos os cisnes são brancos” é “existe pelo menos um cisne preto” (e não todos os cisnes são pretos). Mutatis mutandis para negar a frase da qual tanto gostamos: “Todos os políticos não prestam” basta poder afirmar “existe pelo menos um político que preste”. Tudo resolvido. Basta agora encontrar esse político! Mesmo com essa perspectiva tranquilizadora, é provável que o sistema de ratings perca sua imponência. Em particular, é provável que a tal triplo A, em que pese a declaração de Obama de que “sempre seremos AAA”, caia em desuso. Doravante, AAA só no dentista, e no otorrino!
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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