Novo disco do Ol’ green eyes, Chico, by Chico. Na música Querido diário aparece essa figura instigante: Mulher sem orifício.

De alguma ovelha talvez, fazer sacrifício / Por uma estátua ter adoração / Amar uma mulher / Sem orifício/...

A blogosfera, progressista ou não, entrou em ebulição! Há quem fale no pior verso da história – são os exaltados. Mas essa indignação “vai passar”.

OK. Calma, sosseguem, dirão os Chico addicted (somos todos em maior ou menor proporção Chicólatras). E tome interpretações: ele fez a apologia do amor platônico, ou quem sabe imaginou uma estátua – de Rodin a Brecheret, passando por Fidias, as estátuas são assim. Ou resolveu colocar um contraponto à lenda do Minotauro. A tal mulher seria uma Pasifae, forçosamente sem aquela tara inocente, justamente por causa dessa ligeira imperfeição. O mundo se dividiria em partidários da mulher com em contraposição aos da mulher sem.

Os maniqueístas exultariam.

Provavelmente, a explicação seja mais simples. Ele achou uma rima desafiadora que pudesse assim promover a música e o CD. Rimas não faltam e não sou eu a dar palpites. Convenhamos, seria uma profanação. E se profanasse um pouquinho só?

Mulher sem panarício, por exemplo, seria de mau gosto. Mulher em exercício suscitaria perguntas, do tipo: o que ela faz fora dessa função? Identificariam uma possível tendência homofóbica. Imaginem só! Mulher sem benefício? Péssima idéia, um habitué da Ile Saint Louis não falaria no buraco da Previdência. Talvez, à frente de um bom Bourgogne e um Époisses o faria. Mulher sem capilício poderia sugerir uma mulher depilada. Para quê? Mulher do meretrício nos remeteria a Geni. Requentar, jamais! Vai orifício mesmo!

Criticar é fácil, mas é uma atividade arriscada. Incorrer na fúria das fãs dificilmente seria uma boa política. Sem contar que criticar, muitas vezes, equivale a cuspir para cima. Isso na hipótese de alguém ler a crítica.

No passado, houve quem criticasse A banda, esse verdadeiro totem.

Onde já se viu; “pra ver a banda passar, cantando coisas de amor”? – diziam. Provavelmente as flechas partiam do fã-clube de Disparada – que disputava com A banda o primeiro lugar no festival da Record. Convenhamos. Mesmo naquela tenra idade, Chico sabia perfeitamente que uma banda toca, não canta. Se colocou “cantando”, devia ter uma boa razão e não era para preservar o ritmo do verso!

Mais tarde, outros acharam ruim o “Joguem bosta na Geni” – mas até os politicamente corretos, esses que hoje se insurgem contra o ato de “atirar o pau no ga-to-to” não se atreveriam a levar adiante o “enquadramento”.

Em resumo: Não se trata de esculhambar um talento como o de Chico Buarque.

“O lugar que as produções intelectuais ocupam no patrimônio histórico não é determinado pela receptividade imediata”, sustentava Walter Benjamin. Chico, fique frio!