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COLUNISTA
Alexandru Solomon
25/06/2011 - 17h03
Figuras de linguagem
 
 
Conversa (des)afinada

Sabemos desde 2007 que o Brasil sediará, em 2014, o magno evento ludopédico. A Taça do mundo é nossa, vamos lá vamos cantar. Cantar como as cigarras, porque de formigas pouco temos. Vejamos. O que foi feito até agora em quatro aninhos? Muito pouco para usar um eufemismo. Na undécima hora, para evitar entraves burocráticos, surgiu a Medida Provisória 527, na qual brilha um dispositivo singular – o tão comentado regime diferenciado de contratação, RDC. A peça deu margem a dúvidas, e apesar de pouco ainda poder nos impressionar, houve um rosnar geral de desaprovação. A redação é tal que há mais de uma interpretação possível. O senador Sarney parece não ter gostado e o fez com total isenção já que não há obra que se enquadrasse nesse RDC a beneficiar sua capitania. Outras vozes se ergueram e parece que a palavra cambalacho foi usada. Um claro exagero, obviamente. Diante da reação suscitada, surgiu uma versão oficial, o famoso: “Não era bem isso”. Mais ainda, no calor do debate “para lamentar”, um senador petista da Bahia sugeriu uma solução original. Bastaria negociar com o Executivo para que determinados itens indigestos fossem vetados. Ou seja, a MP 527 poderia vir com uma parte destacável, como um cupom – que daria direito a concorrer a uma entrada livre a esse show de non-sense. O veto antecederia a discussão “para lamentar”. A ordem dos tenores não altera o ‘conserto’. Exagerando um pouco, seria uma espécie de anacoluto – a tal mudança repentina da construção da frase, conforme se ensinava na era a.H (addad).

Falar em anacoluto parece fora de moda, mas quem se importa?

Para preservar nosso capital de “conhecimentos inúteis” no intrincado labirinto das figuras de linguagem, vale a pena fazer uma pequena recapitulação, relembrando alguns conceitos e deixando outros de lado e exemplificando. (Adianto tratar-se de um polissíndeto, que não será definido abaixo.) Mãos à obra:

Metáfora – Uma comparação subentendida.

Ex: O pensamento de Lula, farol luminoso do povo.

Sinestesia – Fusão de impressões sensoriais.

Ex: O linguajar do NOSSOEXPRESIDENTE é saboroso.

Catacrese – Emprego de uma palavra no sentido figurado.

Ex: Lula chutou o pau da barraca. Dirceu colocará os pingos nos is.

Metonímia – Substituição de uma palavra por outra, quando há uma lógica.

Ex: Os 300 picaretas para designar o Congresso. (O conteúdo pelo continente).

Perífrase ou Antonomásia – Designar algo pela sua característica.

Ex: Nosso Guia Luminoso, para fazer referência ao Nosso Guia Luminoso, ora! Ou Aquele cuja mãe nasceu analfabeta.

Eufemismo – Suavizar expressões que seriam desagradáveis

Ex: Aqueles aloprados...

Ironia – Reversão dos sentidos.

Ex: Por relevantes serviços, esposas ilustres de dirigentes foram condecoradas.

Aliteração – Repetição de determinado som. Não confundir com gagueira.

Ex: Com companheiros como o comandante.... ou O caixa encaixou o caixa dois.

Pleonasmo – Redundância de termos.

Ex: Além do já batido “subir para cima”, discurso presidencial interminável – no caso de Chávez, obras importantes atrasadas.

Apóstrofe – invocar algo ou alguém.

Ex: Companheiros blogueiros, vocês neutralizaram a grande mídia.

Antítese – Usar palavras de sentidos opostos.

Ex: Partido coeso. (Ver também Ironia e discutir.)

Zeugma - Omissão de um termo já usado anteriormente.

Ex: Os tucanos privatizaram as telecomunicações, nós, os aeroportos.

Hipérbole – Exagero intencional.

Ex: Uma torrente de invectivas presidenciais cobriu a Zelite.

Elipse – Omissão de um termo subentendido.

Ex: Após o malfeito, a cassação. (Ver também Ironia e discutir.)

Prosopopéia – Atribuir características humanas a seres inanimados.

Ex: O PAC se arrasta.

Hipérbato – Utilização da forma inversa.

Ex: Reeleito foi Lula (ou FHC, se preferirem).

Silepse – Uma concordância realizada com a idéia não na forma gramatical.

Ex: Os menino pega os peixe.

O assunto é tedioso, mas a proximidade de um feriado enseja esse gênero de reflexões. Quanto às obras da Copa e da Olimpíada, é melhor agir sem pressa, mesmo se algum trocadilhista resolva dizer que o tempo ruge. Já sabemos tratar-se de uma prosopopéia inocente.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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