Conversa (des)afinada
Não mentir, mas não dizer toda a verdade - Baltasar Gracián Felizes os tempos nos quais se pensa o que se quer e se diz o que se pensa - Tácito O que tem a ver o brocardo da Ordem da Jarreteira com aquilo que se segue? Nada. Livre pensar é só pensar, dizia Millor. Mal sabe ele que pensar pode causar uma dor de cabeça daquelas. Por outro lado, pensar apenas não leva a nada. É preciso pensar em algo. Alguém já disse isso. Eis que tudo se complica. Nem sempre é prudente dizer o que se pensa, em compensação é bom pensar aquilo que se diz, sustentava a marquesa Lambert. Seguramente, deve se lembrar, caro leitor, que na minha despretensiosa opinião, achava totalmente irrelevante o caso do ministro que vivia pagando um modesto aluguel de R$ 15.000 e continuava no apê alugado, mesmo depois de ter adquirido outro. A Veja fez um verdadeiro carnaval, algo à moda de Saint Saens. Mas qual era o problema? Nenhum! Mera questão de gosto. Aparentemente. Alguma língua bífida poderia sugerir com viperina maldade saber de inquilinos que já moraram de graça. E daí? Não sei, faz muito tempo que não moro de aluguel, mas em priscas eras – como costumam dizer os imortais – a coisa seguia um rito bem simples. Não deve ter mudado muito de lá para cá. O fulano gostava de um imóvel, procurava a imobiliária, negociava na imobiliária e pronto. Assinava um contrato cheio de cláusulas complicadas e tratava de levar a vida. Quem poderia se preocupar era o proprietário com a possibilidade de o inquilino dar o cano, com todas as chatices inerentes – evicção e o escambau. A única preocupação do inquilino era e é redigir mensalmente um cheque – com fundo – à administradora. Logo se o proprietário era A, B, ou C ou até um L(aranja) tanto fazia, do ponto de vista do inquilino. Um inquilino poderá passar o resto da vida sem jamais conhecer o proprietário, sem saber se é uma pessoa física, jurídica ou vegetal. Se o bravo ministro alugou de um “cara” que mora num barraco ou numa mansão, o Palocci (xii, falei o nome) não tem nada com isso. Mas suponha, suponha, caríssimo, apenas por um momento que... Daqui para frente eu nego tudo... Quem suporá é você. Combinado? Suponha que subindo pela trilha à moda Hercule Poirot, munido de lupa, paciência e de algumas centelhas de fogo-amigo, alguém conclua... eu, não, eu rejeito com indignação! Mas a alguém, a um marciano poderia ocorrer algo assim: Que o proprietário, não é a fruta cítrica, e que esse senhorio seja... seja... seja... AP himself. Uau! (ou WOW, como diria um entreguista desses que pegam os peixes). Em 2006 Sua Excelência decapitada – que nem excelência era, apenas aspirante – declarou um patrimônio de R$ 375.000, duramente amealhado, salário, lixo de Ribeirão Black (sempre o Black) – não vem ao caso. E... se... cala-te boca, estivesse de posse de algum recurso não contabilizado? Por um lado, cai por terra esse refrão chato, de péssimo gosto, até infame, de acordo com o qual teria multiplicado por 20 seu patrimônio. Para poder comprar aquele apê deve ter gasto uns 4 mi. (Como, naquela época não havia Minha casa, minha vida, deve ter se virado de algum modo.) Daí, ele teria apenas dobrado seu patrimônio. O vezes 20 vira vezes 2 (imaginando que para comprar esses últimos 2 mimos tenha gasto seus últimos tostões, algo tipo tachus raspandi). O mito do vezes vinte voa em cacos, conclusão a que se chega dividindo oito por quatro. Isso vale para milhões também. Mas... Como não havia como explicar essa grana... ainda no campo das teorias pouco ortodoxas (que eu rejeito com energia e você também – não somos irresponsáveis para acusar sem provas; caso endosse essas elucubrações, o faz por sua conta e risco), teria achado um senhor distinto, um aristocrata arruinado, Joseph Emmanuel – vulgo Zé Mané – que, na falta da grana, emprestou o nome, já que não dispunha desses caraminguás, repito. Entre companheiros isso poderia acontecer. Disse que poderia, embora nunca antes ninguém tenha ouvido falar em tal coisa. Daí, o valor do aluguel seguiria pelo labirinto – pelo laranjal, enfim, por onde quiser e voltaria ao Sr. AP – longe do olhar vigilante da Receita, ainda no baú das não contabilizações. Seguir o trajeto desse dinheiro – dentro dessa hipótese demencial – é impossível, já que o sigilo bancário de um laranja costuma ser – com raras exceções – inviolável. Os jardineiros pertencem a uma categoria, eventualmente merecedora de um tratamento diferente, mas jardineiro não é necessariamente laranja e vice-versa. Isso pode ser comprovado a olho nu. Peguem uma laranja e um jardineiro e comparem, caso tenham alguma dúvida. Nesse caso – de impossível comprovação – cuja simples menção me faz corar, o Sr. AP estaria razoavelmente fucked, como se diz nos bairros populares de NY, se ouve em tudo quanto é filme, mas raramente em altas e perfumadas rodas. Como lhe disse, dedicado leitor, trata-se de uma hipótese injuriosa e o fato de ter lhe cochichado essa vergonha me deixa tristonho e arrependido. Na verdade, esse tipo de suposições aberrantes brota de forma espontânea ante o ruidoso silêncio e das explicações anfibológicas do hoje defenestrado. É apenas um subproduto que fermentou no caldo de cultura do sonoro remanso no qual se comprouve o injustamente acusado de tantas vilanias. Diferentemente do suposto lobby – que do ponto de vista jurídico a nenhum castigo leva, a indignação pode ser cívica; um point c´est tout. A hipótese acima tipificaria um monte de pecadilhos puníveis. Se bem que caixa dois é algo marcado em recente jurisprudência planaltina como algo que todos fazem, logo não há motivo para tanto alarido. Como nos verdes vales do Absurdistão é perigoso conjeturar, apago o que escrevi acima. Espero que o fiz a tempo para que você, leitor desavisado, não tenha conseguido ler. Essa hipótese ridícula, da qual você se torna cúmplice, a partir do momento que dela se inteirou, me ocorreu durante meu tratamento para moléstias nervosas, num momento típico de inimputabilidade. Toda e qualquer semelhança com fatos reais não passa de mera coincidência.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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