Conversa (des)afinada
Por um longo tempo, ninguém soube informar de quem partiu a ordem de quebra do sigilo bancário do caseiro. Denso e insolúvel mistério! Normalmente, à medida que os eventos ficam para trás, tendem a se diluir nas brumas do esquecimento. Frequentemente a memória é solúvel na mistura de ideologia e medo. Nem sempre. Eis que a memória que havia tirado férias prolongadas, retornou repentinamente à Caixa Econômica. Com certeza, não foi a perspectiva de ter que pagar a indenização de R$ 500.000 ao caseiro cuja conta foi estuprada... que motivou a revelação: "A ordem para quebrar o sigilo de Francenildo partiu do gabinete do então titular da Fazenda - não foi uma pessoa, foi o gabinete, a porta, a janela, talvez, quem ordenou! Um pouco de suspense não faz mal. Quem terá sido? Quem? Fiquemos com a metonímia. Na falta de se dar nome aos bois, indicou-se o estábulo. Se não foi o medo de pagar a tal indenização (que não será paga tão já, se é que vai ser paga algum dia, já que o tinhoso, pérfido e mexeriqueiro Francenildo é bem capaz de contratar uma consultoria. E o que não faltam são os consultores, conforme informou o ministro Palocci, o que terá motivado esse esclarecimento tardio? Quem já flertou com preju bilionário no caso Panamericano não treme por uma ninharia dessas - quem sabe terá sido uma centelha de fogo-amigo, vinda da Fazenda? Eles permanecem unidos, e unidos se detestam, desde sempre. Depois dizem por aí que só os tucanos distribuem bicadas entre si. Não é bem assim. Agora, com a providencial entrada em cena do "irmão mais velho", revivendo à moda tropical a dobradinha Putin - Medvedeev, tudo voltará ao ’normal’. Restabelece-se a inquebrantável fidelidade da base. A que custo? Pouco importa. Uma cartilha, um Código Florestal, uma centena de cargos no segundo ’esquadrão’. Sobram moedas de troca. E tudo isso para defender alguém contra quem não há prova alguma. "A investigação é inepta e inaceitável porque se baseia em recortes de jornais e na internet", afirma o advogado criminalista que defende Palocci. Os punhais voltam para as bainhas. As armas - "dos barões interessados" em perigos e guerras esforçados, mais do que prometia a força humana, e entre gente remota edificaram novo Reino, que tanto sublimaram - são ensarilhadas... Cesse tudo o que a decência canta que um valor mais alto está em jogo. Alguns almoços e jantares e tudo volta ao ’normal’. Após um bom jantar, não queremos mal a ninguém nem a própria família, já dizia Oscar Wilde. Restará aos anfitriões a necessidade de arranjar um antiácido, e ao distinto público da geral, um poderoso antiemético.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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